Mais do que um centro de convívio ou uma universidade sénior, o programa ‘Aproximar’, iniciado pela Misericórdia de Oeiras em 2020, pretende ser um espaço de encontro, valorização e descoberta, após a idade da reforma. Concebido para acompanhar pessoas isoladas no domicílio, em plena pandemia, o projeto foi além da proposta inicial e hoje é um lugar de pertença para mulheres e homens que tiveram vidas profissionais ativas e encontram aqui a família e vizinhança alargada de outros tempos. Em novembro de 2023, o programa ganhou novo fôlego com o prémio BPI Fundação la Caixa Seniores, mas continua a procurar parcerias e novas fontes de financiamento para garantir a continuidade a longo prazo.

Hoje o leque de atividades inclui ateliês artísticos, aulas de inglês, informática, dança e pilates, mas também grupos terapêuticos e de discussão. Amanhã a oferta poderá ser outra, em função das necessidades e sugestões dos participantes. Porque, como nos transmite a equipa técnica, os beneficiários são agentes ativos no seu processo de envelhecimento e cidadãos com poder de decisão nesta “comunidade de proximidade”. A adesão de mais de 50% dos membros à primeira assembleia geral do ‘Aproximar’, que se realizou a 16 de janeiro, é exemplo desse envolvimento.

 “Somos uma proposta de um conceito novo de envelhecimento e, sobretudo, da vida depois da reforma, que faz diminuir o valor da pessoa como cidadão. Claro que isto não é uma coisa estanque, vamos acompanhando o processo de envelhecimento e encaminhando para os sítios certos, quando necessário. Tudo isto era a família alargada, que desapareceu ou está em vias de extinção. Estamos a criar programas para substituir relações que eram naturais”, resume a coordenadora, Joana Miranda, assumindo como metas o alargamento das parcerias com a sociedade civil e as universidades para “avaliar o programa e corroborar este conceito”.

Na génese da intervenção está um estudo realizado em 2020 com 403 pessoas, entre os 55 e 80 anos, sobre as expetativas em relação ao envelhecimento e as respostas disponíveis na comunidade. Os resultados foram “esmagadores”, segundo a gerontóloga Joana Pereira, e trouxeram pistas valiosas para estruturar o programa. “A maioria disse que os lares e centros de dia não eram adequados para a velhice que imaginavam ou que estavam a viver e que um dos seus maiores medos era a solidão, a dependência, a demência e a doença”. 

As dores e anseios dos participantes dissipam-se logo pela manhã, com as risadas sonoras na aula de pilates. “Isto hoje é só galhofa”, comenta a professora enquanto corrige as posturas dos alunos. Nove estão deitados em colchões e dois fazem exercícios adaptados em cadeiras. “A estrela da festa é o abdominal, não queremos dores na lombar”, lembra Maria Garcia, voluntária no projeto, à semelhança dos professores de dança, informática, ginástica e pintura.

A mensalidade de dez euros, que dá acesso a todas a atividades, não permite suportar os custos do programa nem requalificar o espaço cedido pela junta de freguesia. “Chove aqui dentro, faz muito frio e humidade, aguardamos melhorias no isolamento”, relata Joana Pereira, após uma visita guiada pelo espaço, que serve de sede desde dezembro de 2020.

Apesar das condições precárias, a equipa consegue transformar o edifício pré-fabricado num lugar acolhedor, decorado com fotografias dos convívios, quadros e objetos criados nos ateliês artísticos, livros e materiais essenciais ao funcionamento das aulas. No período da tarde, é habitual servir um chá com biscoitos, para aconchegar o corpo antes de enfrentar a chuva que se fazia sentir naquele dia. Os versos de Mia Couto, escolhidos como lema pela equipa, ganham novo sentido dentro destas quatro paredes: “Antes, eu buscava conhecer um lugar. Agora, apenas quero um lugar que me conheça”.

Para Elisabete Vaz, 70 anos, que frequenta as aulas de pilates, ginástica e grupos terapêuticos sobre a mente (como funciona a memória, concentração, criatividade, etc.), estes momentos permitem sossegar o espírito e minorar a saudade do marido, que perdeu na pandemia. “Vim para aqui porque precisava de espairecer a cabeça. Sentia grande agitação interior e andava com a tensão alta”. Sobre o convívio, valoriza a oportunidade de conhecer outras pessoas e reencontrar amigas de longa data, como Margarida e Florinda, que conheceu há 40 anos.

Aos 82, Maria José Primor mostra-nos que é possível aprender uma língua estrangeira em qualquer idade. Inscreveu-se há um ano nas aulas de inglês e informática e é das alunas mais aplicadas. “Gosto do convívio e até gostava de fazer mais aulas, mas o meu marido [79 anos] fica à minha espera e não quer vir porque já sabe falar inglês”.

Os homens são uma minoria entre os participantes, 10 num total de 70, e resistem mais a este tipo de iniciativas. Luísa Oliveira, assistente social, justifica o fenómeno dizendo que “as mulheres procuram mais os serviços e os homens isolam-se mais”. José Martins, 69 anos, contraria as estatísticas e destaca, entre as mais-valias, a “possibilidade de partilhar a minha experiência de vida com outras pessoas já reformadas. Selecionei informática e inglês, que queria aprender, e conheci estes amigos maravilhosos, com a D. Maria José”.

Desenvolver novas competências é um dos objetivos, mas não é o foco da intervenção. “Hoje, na aula de inglês, senti que as pessoas precisavam de conversar e dei espaço para isso. A prioridade não é aprender, do ponto de vista académico, mas a dimensão social e o equilíbrio entre ambas”, considera Joana Miranda, formadora das aulas de inglês e cidadania.

Seja qual for o tema da lição, estes encontros resgatam os professores e alunos da solidão e monotonia dos dias. Para Lorna da Silva, 69 anos, que é aluna e formadora em simultâneo, foi uma oportunidade para retomar alguns talentos da juventude (pintura e desenho), que estavam adormecidos, e descobrir outros como a costura, que deram nova cor ao seu guarda-roupa. “A vida só se prolonga enquanto tivermos curiosidade de fazer e aprender, é isso que cultivamos aqui, assim não morremos para a vida. Quando nos reformamos ficamos muito soltos e perdidos e esquecemo-nos do que gostávamos de fazer quando éramos jovens”.

Os resultados estão à vista: rostos felizes, troca de experiências e conversas nos corredores que se prolongam fora daqui. Por tudo isto, e cientes da responsabilidade de ser “a rede social e afetiva de muitas pessoas”, Joana Miranda e a sua equipa estão empenhadas em garantir a continuidade do projeto para não “devolver as pessoas a um espaço de infelicidade”.