Projeto “Sorriso Postal” chega às Misericórdias para combater o isolamento dos mais velhos através da arte

Na frente, uma imagem estampada, no verso, algumas palavras e os dados do destinatário manuscritos. Fazer nascer pequenas alegrias através de um simples postal é o timbre do projeto “Sorriso Postal”, que já chegou às caixas de correio das Misericórdias de Bismula, Fátima-Ourém, Lajes das Flores e Leiria.

“Num mundo tão informatizado como aquele em que vivemos, achámos que algo tão simples e palpável como um postal enviado por correio poderia ser uma pequena marca distintiva em dias por vezes tão semelhantes e incaracterísticos”, refere Paulo Kellermann, um dos promotores do projeto.

Mas é justamente do ADN digital que se extraiu o “Sorriso Postal”. “No blogue ‘Fotografar Palavras’, escritores e fotógrafos trabalham em conjunto, associando palavra e imagem, mas sempre houve a vontade de o materializar, de alguma forma, em papel”, revela o escritor que, juntamente com Teresa Bret Afonso e Joana M. Lopes, constitui o núcleo original. Neste projeto em que os postais são como vales de sorrisos, participam 28 escritores, fotógrafos e ilustradores, mas qualquer pessoa pode colaborar e ceder o seu trabalho artístico.

Os destinatários, cujas feições e história de vida se desconhecem, residem em lares, onde sempre acabam por conhecer as arestas da solidão e do isolamento. “Recebemos impressões muito positivas, de adesão e agradecimento. Quando a entrega dos postais foi feita pessoalmente, esses sentimentos foram muito percetíveis e vincados”, confidencia Paulo Kellermann.

A expedição arrancou no início de 2020 e já foram remetidos cerca de 800 postais para 18 lares de todo o país. Existem mais solicitações, mas o projeto está temporariamente suspenso por causa da pandemia. Ainda assim, 30 sobrescritos atravessaram o Atlântico e chegaram à Misericórdia das Lajes das Flores durante o período de confinamento, o que ajudou os utentes “a sentirem a presença de alguém no espaço que agora está menos frequentado”. “Há muitos idosos que nunca recebem nenhuma correspondência. Por isso, tudo o que ajude a sentir a presença de alguém é importante”, acrescenta Ana Paula Nóbrega, diretora técnica.

No lar da Misericórdia de Fátima-Ourém, a reação tem sido muito positiva, porque “é uma mensagem muito específica, dirigida àquele utente”. “Apesar de ser um postal enviado por uma pessoa estranha, os utentes sentem-se próximos desse alguém que lhes dirige umas palavras de afeto”, assevera a diretora técnica, Diana Silva. A instituição recebeu cerca de 150 postais, mas a distribuição obedece a um preceito. “Aproveitamos a data de aniversário do utente, seja do lar ou do apoio domiciliário, para entregar o postal, junto com uma lembrancinha”, explica.

Além de elogiar a gratuitidade do projeto e a celeridade no envio da remessa, Diana Silva sublinha a “mensagem de motivação e de esperança do postal” que contribui para promover o bem-estar dos utentes e o seu envolvimento na sociedade.  Por seu turno, Paulo Kellermann revela que “se por um breve momento algum residente se sentiu um pouco mais acompanhado e acarinhado, se sentiu relevante, porque alguém que não conhece lhe enviou um postal e escreveu o seu nome, ficamos felizes”. “É essa a mais-valia que conta”, reitera.

Também a Misericórdia de Bismula, no concelho do Sabugal, esteve na rota do “Sorriso Postal”. O correio selou sorrisos em cerca de uma dezena de idosos, entre os 80 e os 90 anos. “Os postais têm a particularidade de incluírem fotografias originais e os promotores tentaram personalizar o mais possível”, elogia a diretora técnica Susete Nobre. Mais do que o deleite artístico, o que importa é a mensagem: “escrever umas palavras, ainda que simples e apesar de não nos conhecerem, foi muito bonito porque o mais importante para os nossos utentes é mesmo serem lembrados”.

Do lado do remetente, cada participante tem liberdade criativa total: “apenas pedimos que seja tido em consideração que os destinatários dos postais são pessoas idosas”.

O feedback recebido pelas Misericórdias que já participaram no projeto foi “muito positivo e afetuoso. São instituições muito colaborativas. Por isso, continuaremos recetivos a propostas”, sublinha o promotor.

Para se associarem, as instituições só precisam de enviar uma listagem com os nomes dos destinatários. Se, por questões de privacidade e proteção de dados, não puderem ser cedidos os nomes completos, é suficiente colocar o apelido abreviado.

A sustentabilidade do projeto assenta no autofinanciamento porque sempre foi ponto assente que não existiriam encargos para as instituições. “Além dos custos serem assumidos por nós, implementámos também um sistema de patrocínio, envolvendo pequenas empresas que apoiam a impressão dos postais. Recentemente, fomos contactados pelos CTT, que estão interessados em se associar”, refere.

Face à situação que se vive por causa do Covid-19, o “Sorriso Postal” está suspenso, mas será retomado logo que possível. “O maior desafio tem sido a obtenção de colaboração de instituições disponíveis para acolher este projeto”, admite Paulo Kellermann, que não deixa de acreditar na força e no encanto “de regressar ao hábito do postal, de ter um objeto que se pode guardar”.

Voz das Misericórdias, Patrícia Posse