O projeto da Misericórdia de Vila Nova de Gaia visa prevenir e reduzir a vulnerabilidade na primeira infância no concelho

“Não se pode combater a pobreza das crianças sem combater a pobreza das suas famílias”. É com este lema que a Santa Casa da Misericordia de Gaia está a desenvolver o projeto “Primeiros Passos, Infância Saudável, Vida Feliz”. A equipa é composta por uma psicóloga e uma assistente social e visa prevenir e reduzir a vulnerabilidade na primeira infância no concelho.

“Os bebés não nascem pobres sozinhos. Nascem pobres, dentro de uma família que vive também numa situação de pobreza e exclusão social”, começa por dizer ao Voz das Misericórdias (VM), a responsável pelo projeto, Manuela Costa Neves.

Numa fase inicial, o apoio centrou-se entre os zero e os 12 meses, mas as necessidades levaram a instituição a alargar a abrangência etária até aos dois anos de idade. “Muitas famílias têm dificuldade em voltarem ao mercado de trabalho, porque não há creches e, durante este período, existe a necessidade de auxiliar estas pessoas nas oficinas de parentalidade positiva e inserção socioprofissional”, esclarece Manuela Neves.

Como há falta dessas respostas, é preciso acompanhar as famílias por um período temporal mais extenso, havendo a necessidade de trabalhar a questão da estimulação sensorial da criança a vários níveis, com brinquedos didáticos para desenvolver explorações de linguagem e da criatividade. “Estamos a falar de pessoas com poucas habilitações, falta de projetos de vida a longo prazo, sem planeamento familiar devido a muitos deles terem sido pais ainda menores”, conta a responsável da Misericórdia gaiense. “As mães são oriundas de vários pontos do concelho de Gaia, existem casos de menores entre os 16 e os 17 anos, embora apareçam também mães de terceira viagem”.

Assegurar um Banco de Bens para o Bebé (BABE) através de doações e de um Fundo de Apoio ao Bebé (FABE) para a aquisição de leite adaptado e medicação constitui um dos objetivos do projeto, bem como intervenções sociais apropriadas que permitam aos pais assumir as suas responsabilidades para com os filhos. Periodicamente, são realizadas campanhas em grandes superfícies para a recolha de bens essenciais. 

Outro objetivo do “Primeiros Passos” é prevenir a institucionalização destas crianças que, maioritariamente, são referenciadas pela segurança social, tribunal de menores, comissão de proteção de crianças e jovens em risco, hospital, juntas de freguesia e Aces de Gaia. “Esse encaminhamento visa, essencialmente, doar bens para a criança, mas está também muito direcionado para a capacitação dos pais, através do Centro Qualifica”, revela Manuela Neves, acrescentando que “este ano, pela primeira vez, existe uma lista de espera, o que corta a respiração porque as crianças não podem ficar para trás”.

O confinamento decorrente da Covid-19 determinou o lay off e o desemprego de muitas famílias e, com eles, o aumento das sinalizações pelos parceiros institucionais, o que exponenciou o número de crianças a apoiar e os bens a atribuir. Todavia, “nenhuma criança ficou para trás e, por isso, o apoio mensal em leite adaptado e outros bens fundamentais ao seu desenvolvimento foram sempre garantidos e até redobrados”, assegura Manuela Costa Neves, sustentando que “muitas destas pessoas laboravam no setor da hotelaria, um dos mais afetados pela pandemia, ficando novamente numa situação de fragilidade, retomando-se os pedidos dos rendimentos sociais de inserção, num volte-face dramático para quem já tinha a sua vida a ficar organizada”, lamenta a dinamizadora do projeto.

O atendimento presencial, condicionado a um plano de contingência, é assegurado com medidas de proteção individual acrescidas. A capacitação parental (oficinas de parentalidade positiva e inserção socioprofissional) passou do presencial para o online e “com ganhos fantásticos de participação e empowerment”, assume Manuela Costa Neves, reforçando que “esta ferramenta tem provocado uma maior participação dos pais, mais presentes e interessados”.

O trabalho desenvolvido no âmbito deste projeto tem merecido os mais rasgados elogios, tendo mesmo sido premiado, através de uma candidatura ao BPI La Caixa Infância 2020, “por fazerem a diferença junto de crianças em situação de vulnerabilidade” (júri do prémio). Esta distinção permitiu integrar na equipa um psicólogo a tempo inteiro.

Voz das Misericórdias, Paulo Sérgio Gonçalves