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- Pré-escolar | Apoio do Governo não convence Misericórdias de Setúbal
Esta peça integra o destaque da edição de setembro do Voz das Misericórdias sobre o pré-escolar. Leia aqui a peça principal e os outros artigos sobre pré-escolar no distrito de Bragança e nas ilhas, assim como os artigos de opinião dos provedores das Misericórdias de Oeiras e Sabugal.
O Governo quer abrir 150 novas salas de pré-escolar no setor social, priorizando concelhos com maiores carências na resposta educativa. No distrito de Setúbal, onde, segundo dados do Conselho Nacional de Educação, a taxa real de escolarização para crianças entre os três e os cinco anos é das mais baixas do país, o desafio parece evidente.
Mas, no terreno, a realidade é mais complexa. Apesar das diferenças de estratégia, todas as Misericórdias com atividade nesta área apontam para a mesma conclusão: sem medidas que equiparem condições e financiamento ao que é praticado no setor público, o pré-escolar do setor social dificilmente ganhará espaço.
Com cinco salas de educação pré-escolar em funcionamento, a Misericórdia de Almada garante uma resposta estável e com ocupação plena. Mas, apesar do novo incentivo do Governo para a criação de mais salas, a instituição não tenciona avançar com qualquer candidatura. “Não parece viável abrir novas salas para o pré- -escolar”, afirma o provedor Joaquim Barbosa, antevendo que “o cenário mais provável aponta para uma redução e não para um aumento”.
Por um lado, o aumento da oferta pública pela autarquia, que pode levar a uma descida da procura pelas salas da Santa Casa. Por outro, o maior desafio é a falta de educadores de infância. “O setor público absorve muitos profissionais e há uma desigualdade salarial difícil de gerir nas nossas equipas”, lamenta o provedor. A juntar a isso, o financiamento estatal é, segundo o responsável, insuficiente. “Mesmo com apoio do Estado, o equilíbrio financeiro das respostas sociais é sempre difícil”, conclui.
A poucos quilómetros, a realidade pode ser diferente, mas a decisão final é semelhante. Com seis salas de educação pré-escolar, a Misericórdia de Alhos Vedros garante resposta para 150 crianças. No entanto, a instituição tem concentrado os seus esforços e investimentos no aumento da oferta de creche.
“A creche é a maior carência porque não há resposta pública”, explica o provedor Miguel Canudo. “Com os valores pagos atualmente no pré-escolar, continuávamos a ter défice. Já na creche, com a gratuitidade, conseguimos equilibrar melhor as contas.”
A medida do Governo para a abertura de novas vagas no pré-escolar não vai, por agora, contar com a adesão da instituição. A decisão assenta na constatação de que a ampliação das salas de creche inviabiliza novos lugares para o pré-escolar. Soma-se a isto a concorrência da rede pública gratuita, em crescimento no concelho.
O provedor aponta ainda para dificuldades na contratação de educadores de infância e para a necessidade de uma revisão do financiamento estatal. “O valor pago no pré-escolar é manifestamente insuficiente. É preciso caminhar para a gratuitidade, que daria estabilidade à gestão e maior desafogo às famílias.”
Mais a sul, a Misericórdia de Santiago do Cacém tem capacidade para 100 crianças em pré-escolar. Apesar de estarem a operar no limite da lotação, a instituição não tem lista de espera neste momento.
Esta aparente folga resulta de um fenómeno recente: muitas crianças que frequentavam a creche gratuita ao abrigo do programa ‘Creche Feliz’ transitaram para o pré-escolar na rede pública, também sem custos para as famílias. “É natural que os pais optem por não pagar na nossa instituição quando têm a mesma resposta gratuita no público”, explica Antonieta Pereira, coordenadora da infância na Santa Casa.
O cenário leva a instituição a afastar a hipótese de se candidatar à medida do Governo para criação de salas adicionais no setor social. “Não faz muito sentido”, resume a coordenadora, sublinhando que o problema não está na falta de salas, mas nas condições desiguais entre setor público e o setor solidário.
Entre os maiores desafios, destaca-se a dificuldade em recrutar e reter educadores de infância. “As condições no pré-escolar não são iguais para os profissionais. Muitos saem para a rede pública, onde há melhores regalias. Mesmo quando há uma baixa, é muito difícil encontrar substituição”, refere.
Para Antonieta Pereira, a solução passaria por equiparar o pré-escolar do setor social ao da rede pública, tanto no apoio às famílias, como nas condições de trabalho dos profissionais. Apesar das dificuldades, considera que o papel das Misericórdias na área da infância continua a ser “fundamental”, mas deixa um aviso: “As Santas Casas só se conseguirão aguentar com o apoio do Estado.”
Já no Montijo, a procura por vagas no pré- -escolar da Misericórdia continua a superar a oferta. A instituição gere dois centros de infância com capacidade para 100 crianças. Apesar dessa pressão, o diretor-geral, Luís Garrett, afasta a possibilidade de novas salas ao abrigo do programa governamental que oferece 15 mil euros por sala no setor social.
O motivo é simples: a conta não fecha. “Temos um custo médio de utente no pré-escolar de cerca de 600 euros por mês e recebemos, entre apoio do Estado e comparticipação familiar, pouco mais de 300 euros. Com cerca de 100 alunos, imagine o prejuízo todos os meses”, explica. Neste contexto, o incentivo anunciado pelo Governo não cobre sequer um mês do “buraco” financeiro.
A situação é agravada pela fragilidade económica das famílias atendidas, muitas com baixos rendimentos e um peso significativo de imigrantes. “Um dos critérios prioritários de admissão é a situação financeira dos pais. Temos famílias que não poderiam pagar mais do que já pagam e isso limita as receitas”, sublinha o diretor-geral.
A escassez de educadores é outra dor de cabeça. Tal como noutras Misericórdias, a saída de profissionais para a rede pública, onde encontram melhores condições, tem dificultado o recrutamento. “No ano passado, perdemos três educadores para o público. Não sei o que vai acontecer a partir de setembro”, alude.
Para Luís Garrett, a solução passaria por estender ao pré-escolar do setor social o mesmo regime de gratuitidade já aplicado à creche e ao ensino básico. “É a única faixa de ensino que não está coberta pelo pagamento estatal. Mais tarde ou mais cedo, isso terá de acontecer, mas a questão é: quanto tempo aguentam as Misericórdias até lá chegar?”
A falta de medidas estruturais poderá, segundo o responsável, levar ao encerramento de salas, de resto, um cenário que já ocorreu numa “instituição vizinha” e que outras ponderam seguir. “Se não houver mudanças, perdem as Misericórdias, mas também perdem as famílias, que precisam destas respostas para poder trabalhar.”
Voz das Misericórdias, Rosário Silva