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- Pré-escolar| Pré-escolar público tira crianças às Misericórdias do distrito de Bragança
Esta peça integra o destaque da edição de setembro do Voz das Misericórdias sobre o pré-escolar. Leia aqui a peça principal e os outros artigos sobre pré-escolar no distrito de Setúbal e nas ilhas, assim como os artigos de opinião dos provedores das Misericórdias de Oeiras e Sabugal.
Bragança é o distrito do país onde as Misericórdias têm a maior taxa de vagas no pré-escolar. Segundo dados da Carta Social, relativos a 2024, no distrito de Bragança, as Misericórdias assumem 20,25% do total de vagas disponibilizadas nesta área. Contudo, em 671 vagas, apenas 499 estão ocupadas, o que corresponde a 26%.
As razões são várias, mas uma delas é a concorrência do setor público. Em Miranda do Douro, o pré-escolar da Misericórdia tem capacidade para 25 crianças, mas, em janeiro deste ano, era frequentado apenas por 15. De acordo com o provedor, Luís Tomé, “desde que o município criou o pré-escolar público, a ocupação na Misericórdia caiu drasticamente, porque as famílias preferem não pagar”.
No setor público, as famílias têm o pré- -escolar gratuitamente. O mesmo não acontece no setor social e no setor privado, onde os encarregados de educação têm de pagar as atividades extracurriculares e a componente de apoio à família, que permite horário alargado até às 19h. Estes extras no setor público, em muitos municípios do distrito, são pagos pelas câmaras municipais (CM), como medida de apoio, o que leva muitas famílias a preferir os agrupamentos escolares, em detrimento das Misericórdias.
Para a Misericórdia de Carrazeda de Ansiães, esta “concorrência” é “desleal”, por considerar que o município está a “beneficiar quem tem maior rendimento”. “Todos os pais que vivem neste concelho são contribuintes da autarquia, deviam ser tratados por igual, mas a CM não os trata por igual, porque para os que andam no pré-escolar público a câmara paga a alimentação e a componente não letiva e ainda organiza tempos livres, no Natal e verão. Ou seja, é o mesmo que estar a dizer que uns têm tudo e outros não têm nada”, criticou o provedor.
Ricardo Paninho explicou que a grande maioria das crianças que frequentam o pré-escolar da Misericórdia de Carrazeda de Ansiães são de famílias com baixos rendimentos. Uma vez que a mensalidade na instituição é definida consoante os rendimentos de cada agregado familiar, significa que os mais carenciados pagam menos, ao passo que as famílias com maiores rendimentos também pagam mais. Mas essas, segundo o provedor, colocam as crianças no pré-escolar do agrupamento de escolas, para não terem de assumir qualquer custo.
O pré-escolar da Misericórdia de Carrazeda de Ansiães tem capacidade para acolher 50 crianças e em janeiro deste ano tinha 46. No entanto, Ricardo Paninho esclareceu que a lotação está esgotada, uma vez que têm crianças com necessidades educativas especiais, que ocupam o equivalente a “duas vagas”.
Em Bragança, o pré-escolar público já fez a Misericórdia de Bragança reconverter salas do pré-escolar em creche. De acordo com o relatório da Carta Social, o Centro Infantil Cinderela, pertencente a esta instituição, tem capacidade para 100 crianças, mas em janeiro deste ano tinha apenas 44. Num cenário idêntico, o Centro Infantil São João de Deus tem capacidade para 75, mas com ocupação de 33.
Nestes dois infantários, três salas foram reconvertidas em creche. Adriana Angélico, educadora e responsável pelo setor da educação na instituição, adiantou ao VM que a instituição decidiu tomar esta decisão porque “tinham poucas crianças”, uma vez que o setor público em Bragança as abrange “todas”.
Como caso exemplificativo, há famílias que pagam 200 euros na Misericórdia, enquanto no infantário público pagam apenas 70. Por isso, tal como noutros concelhos, também no de Bragança, quem “fica no pré-escolar da Santa Casa é quem paga pouco”.
Por outro lado, há “uma grande procura” das famílias pelas creches desta Misericórdia, devido à gratuitidade definida pelo Governo. “Temos sempre uma lista de espera na creche e nunca temos no pré-escolar, porque se paga e as crianças vão para o público, onde pagam muito menos”, disse. Em Mirandela, a situação já é diferente no que toca à lotação. No Centro Infantil Arco Íris sobram apenas 12 vagas, no universo de 73, e no Centro Infantil O Miminho ficam apenas por ocupar oito, num total de 125 vagas. Quer isto dizer que nesta Misericórdia a taxa de ocupação ronda os 94%, de acordo com o provedor, Adérito Gomes.
Nesta instituição o problema não é a taxa de ocupação, mas a mensalidade que é paga. Com mais de 200 crianças, nem 10% pagam a mensalidade máxima, sendo que o valor mais elevado é de 225 euros e o mínimo rondará os 40 euros. “A maioria das pessoas que têm baixos rendimentos ficam na Misericórdia, porque têm serviços assegurados, como por exemplo os almoços, assim como o lanche e a mini refeição a meio da manhã e podem ficar até às 19h sem ser necessário qualquer inscrição, está incluído na mensalidade”, referiu o provedor.
Em Mirandela, o número elevado de crianças no pré-escolar da instituição, comparativamente às restantes do distrito, obriga a determinadas estratégias para fazer face às despesas com os ordenados. Uma delas relacionadas com as educadoras de infância, que são pagas consoante a antiguidade e a categoria. Adérito Gomes assume que aquelas que têm ordenados mais elevados são colocadas nas creches, onde o serviço é suportado pelo Governo, através de subsídios, e as que têm ordenados mais baixos ficam no pré-escolar, já que esta despesa fica a cargo da instituição, permitindo assim à Misericórdia de Mirandela ficar “um bocadinho aliviada” financeiramente.
Apesar desta realidade em concelhos maiores do distrito de Bragança, noutras geografias os problemas já não dizem respeito à concorrência entre o setor público e privado, mas à falta de crianças. É o caso de Vinhais.
Segundo o técnico José Alves, neste concelho não há problemas com o setor público, uma vez que o município também financia as crianças que frequentam o pré-escolar no setor privado, uma forma de apoiar as famílias e as manter na instituição. As adversidades são outras.
Das 48 vagas disponibilizadas no pré-escolar da Misericórdia de Vinhais, 44 estavam ocupadas em dezembro do ano passado. No entanto, neste novo ano letivo as coisas podem mudar drasticamente. João Alves teme que nem consigam ocupar as 33 vagas que têm acordo com a Segurança Social.
Nos últimos “dois ou três anos”, o número de crianças inscritas no pré-escolar tem vindo a diminuir, alegadamente, porque os encarregados de educação estão a sair do concelho para ir viver para centros urbanos maiores. Este novo ano letivo será o “mais dramático dos últimos tempos”, mas no próximo “poderá ser pior”. “Apesar de tudo o que é oferecido, mesmo assim a população é cada vez menor”, rematou.
Na Carta Social estão outras Misericórdias do distrito: Alfândega da Fé (cinco vagas livres), Freixo de Espada à Cinta (seis vagas), Vila Flor (dez vagas) e Mogadouro, onde 60 crianças são abrangidas por acordo de cooperação, num universo de 75 vagas “totalmente preenchidas”, esclareceu o provedor João Henriques.