Sentir a areia da praia e o cheiro a maresia. Deslizar de skate ao sabor do vento. Mergulhar na piscina. Passear. Tão fácil e acessível, mas impossível quando se vive no meio de uma pandemia. O VM esteve à conversa com algumas das jovens utentes da Casa de Acolhimento Residencial (CAR), da Santa Casa da Misericórdia de Vagos, que, com idades entre os 11 e os 18 anos, deram um testemunho sobre a vivência do confinamento imposto pela Covid-19.
Ana (11), Filipa (16) e Joana (18) [nomes fictícios] sentem saudades da normalidade, de se sentarem nas cadeiras da escola, de conversarem e rirem com os amigos sem necessidade de um ecrã como intermediário. Se em março de 2020 as dificuldades foram muitas, o segundo confinamento, em janeiro de 2021, revelou-se mais fácil.
Joana conta que em março de 2020 “tudo era novo”. “Ninguém estava preparado para lidar com a situação. Nem alunos, nem professores”. “As plataformas eram uma novidade para todos e nem sempre foi fácil”, acrescenta Filipa. Para além das questões técnicas, a impossibilidade de contactarem com outras pessoas, “de estarmos fechadas” foi o que mais custou.
Tânia Barros, diretora técnica da CAR, acompanhou de perto todos os desafios, aventuras e desventuras impostas pela pandemia. Equipa técnica e educativa estiveram, lado a lado, em permanência, em turnos de 12 horas, 14 dias consecutivos sem sair da instituição. “Trabalhamos em ‘espelho’ desde a primeira hora, em março de 2020. Houve períodos mais difíceis, porque tudo era novo. Ao nível da gestão emocional das jovens, lidamos com o medo, a saudade. Mas até nós adultos o sentimos, porque todos tivemos que nos adaptar”, revela.
A adaptação às ferramentas digitais acabou por ser a maior dificuldade no primeiro confinamento. “Havia sobrecarga de internet, as plataformas escolhidas diferiam de escola para escola, professores e alunos estavam, ambos, a aprender o funcionamento das mesmas”. À margem das tecnologias, impunha-se a gestão do espaço. “Tínhamos as jovens numa área ampla da CAR para que fosse possível ajudar e prestar atenção a todas em simultâneo. Mas, por vezes, era difícil a gestão do silêncio”, recorda Tânia Barros.
Em janeiro de 2021, o país entra num novo confinamento. As escolas encerram e regressa o ensino online. Nesta fase, a utilização das ferramentas digitais já fazia parte da rotina. “Estávamos mais adaptadas”, explicam as meninas. “Este segundo confinamento já não foi uma surpresa”, acrescentam. Ainda que difícil, nem tudo foi mau ou negativo.
À Filipa e à Joana sabe bem “dormir até mais tarde”. A Ana tem aproveitado a companhia das outras meninas e ainda lhe sobra tempo para lavar “a roupa das bonecas” e até as notas melhoraram. “Penso que acabamos por estar mais concentradas”, explica Joana. Ainda que as aulas práticas sejam mais difíceis à distância, Filipa concorda que o empenho e a concentração ajudam na melhoria da avaliação escolar.
E quando os ecrãs se desligam? “Há mais tempo para convivermos umas com as outras. Num dia normal saímos de manhã para a escola e regressamos já ao final da tarde. Nesta fase, temos mais tempo para nos conhecermos”, refletem. Mas há mais. “Ganhamos mais paciência e compreensão, sentimo-nos mais confiantes”, contam. Um fortalecer de relações que é também referido pela diretora técnica. “Não foi fácil, mas ultrapassámos e os nossos valores saíram reforçados. A resiliência, a cooperação, a solidariedade entre equipas foi e continua a ser fantástica. A direção da Santa Casa e toda a comunidade estiveram sempre ao nosso lado. Mesmo distantes, sentimo-nos muito próximos uns dos outros”, elogia Tânia Barros.
Na Casa de Acolhimento Residencial (CAR) da Misericórdia de Vagos estão atualmente 18 utentes, todas do género feminino e com idades entre os 11 e os 18 anos.
Voz das Misericórdias, Paulo Sérgio Gonçalves