6369 é o número de crianças que, no final de 2022, estavam em situação de risco. Com idades compreendidas entre os zero e os 18 anos, uma ínfima percentagem (3%) encontrava-se em famílias de acolhimento. Contrariar esta realidade é o propósito de 19 instituições que viram aprovada a candidatura a uma nova resposta social denominada de acolhimento familiar. Entre elas está a Misericórdia de Vale de Cambra. O VM esteve reunido com a equipa constituída para a nova valência e com o provedor da instituição, António Pina Marques, para conhecer esta nova “missão”.

“Portugal está na cauda no que diz respeito a famílias de acolhimento”. As palavras são de Pina Marques. Com uma experiência de mais de 30 anos na proteção de crianças em risco, através de acolhimento residencial, a Misericórdia de Vale de Cambra entendeu que era “imperioso” abraçar a nova medida de proteção da criança que, até à data, cabia apenas à Santa Casa de Lisboa.

Cientes de que a “circunstância de acolhimento residencial não se adequa a um vasto leque de crianças com situações muito específicas”, o primeiro passo alcançado foi a aprovação da candidatura. Segue-se agora o mais importante: “Encontrar famílias especiais para crianças especiais”.

Cátia Garrido, psicóloga, apresenta-nos o slogan da resposta - “Um coração com espaço Encontrar famílias especiais para crianças especiais para mais” - para traçar o perfil de uma família de acolhimento. “Não procuramos uma família qualquer, procuramos uma família à medida da causa. Famílias em que a principal motivação tem de ser a criança; famílias com alguma flexibilidade porque podem receber uma criança com uma bagagem leve ou com uma bagagem mais pesada; famílias com alguma resiliência para não desistirem ao primeiro problema; famílias com capacidade de estabelecer vínculos afetivos com a criança, mas, por outro lado, com a capacidade de gestão do seu próprio stress e de lidar com os seus próprios lutos”.

Os últimos dois meses foram passados “na estrada” em divulgação e sessões informativas junto de IPSS, autarquias, paróquias, associações de pais ou empresas do distrito de Aveiro. A equipa desdobrou-se para que a nova resposta fosse dada a conhecer. Deparou-se com muitas dúvidas, expectativas e receios. Como medida temporária, de seis meses a um ano, o acolhimento familiar não é o caminho para a adoção nem para o apadrinhamento. Durante o período de acolhimento, pretende-se que a família de origem se reorganize e crie as condições necessárias para o regresso da criança ao seio familiar de origem.

“E o vínculo afetivo?” Esta é pergunta frequente em todas as sessões informativas, ao que as responsáveis explicam: “Quem se candidata tem de ter a capacidade de estabelecer vínculo com a criança, mas, ao mesmo tempo, ser capaz de lidar com a sua resolução do luto. A medida tem uma temporalidade”, explica a coordenadora Cristina Rocha.

O provedor acrescenta que a satisfação maior é “encontrar uma solução e libertar a criança para o seu caminho de vida”. Ao longo de toda a vida, a criança vai criar múltiplos vínculos “e isso não tem mal nenhum”, concretizam as responsáveis ao afirmarem que “faz parte do crescimento de todo o ser humano”.

A terminar o encontro, Pina Marques reforça que “são necessárias famílias de acolhimento no país” e lança o repto a todos os colaboradores das Misericórdias do distrito de Aveiro para que se revejam no slogan da campanha. “Que todos se sintam envolvidos e partilhem esta missão”, apela.

Mariana Brandão, assistente social, caracteriza quem se pode candidatar a família de acolhimento: uma pessoa singular; duas pessoas casadas ou em união de facto há mais de dois anos; duas ou mais pessoas ligadas por laços de parentesco e que vivam na mesma habitação; pessoas que não sejam candidatas a adoção e que não tenham relações de parentesco com a criança ou jovem; e pessoas com mais de 25 anos e menos de 65 anos.

Voz das Misericórdias, Vera Campos