Eu António/ Tu António/ Ele/a António. Nós António/ Vós António/ Eles/as António. Qualquer que seja o pronome pessoal, plural ou singular, masculino ou feminino, a verdade é que todos nós somos, por instantes ou momentos, António. Mas quem é o António?

O António era o “Funcionário do Mês”. “O António estava concentrado nas suas tarefas. Tão concentrado que nem reparava nos colegas à sua volta. Não poderia ser de outra forma, pensava ele. O trabalho não se faz sozinho e muita gente depende dele. O que seria do mundo se ele não carimbasse a certidão com uma declaração de interrupção do período de carência de isenção de taxas moderadoras e imposto de selo? E se todas as faturas emitidas no portal das finanças não tivessem a sua cópia física, milimetricamente furada para entrar no dossiê devidamente assinalado com dados e hora no formato ISO, conforme os padrões internacionais?”

O “Funcionário do Mês” subiu ao palco do Auditório Municipal de Vila do Conde, a 13 e 16 de janeiro, interpretado por oito jovens da Casa da Criança, da Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde e por uma equipa da Casa da Música. Uma atividade desenvolvida no âmbito do programa “Holograma”, projeto de cariz comunitário e pedagógico através do qual a Casa da Música projeta a sua atividade nos territórios metropolitanos, descentraliza o trabalho que desenvolve através do seu serviço educativo e trabalha com grupos minoritários ou socialmente desfavorecidos a conceção de um espetáculo musical único. O Voz das Misericórdias assistiu na primeira fila e, no final, conversou com os participantes.

“Achei que não ia ser capaz, mas descobri que sou. Não me importava de repetir com outras pessoas”. Nuno Neves, 19 anos, fala-nos de forma ofegante, mas visivelmente feliz. Esteve em palco, superou-se, venceu alguns medos. “Tenho que me libertar mais e esta experiência foi ótima para isso”.

Dos 20 jovens institucionalizados na Casa da Criança, apenas oito quiseram participar. Não é de estranhar. “Estes jovens, por natureza, não são muito dados a manifestações de sentimentos. A ideia de estarem em palco, expostos, deixa-os desconfortáveis”, conta o diretor Nuno Carvalho.

No entanto, o desafio foi aceite quando proposto pela Casa da Música. “Aceitámos porque acreditamos no impacto benéfico que este tipo de projeto tem nos jovens. A música é uma forma muito positiva de criar laços, de melhorar estados de ânimo e de reforçar a ligação entre pares”, continua este responsável. O sucesso alcançado comprovou a estes jovens que vale a pena arriscar e sair da zona de conforto. “Estarem em cima do palco, com pessoas a vê-los e a aplaudir, dá-lhes muita autoconfiança e autoestima”, explica Nuno Carvalho, que garante uma repercussão “enorme no seu dia-a-dia”.

A pandemia condicionou os ensaios, limitou a forma de preparação, mas não impediu que fosse criada uma forte relação entre os elementos da Casa da Música e os jovens da Casa da Criança. Óscar Rodrigues, responsável pela direção artística, resume em poucas palavras o que acabara de acontecer em palco. “Ouvimos esta comunidade e demos-lhe o microfone. Foi o que fizemos. O nosso papel é dar asas aos sonhos que têm”. 

Toda a história foi construída em conjunto. Recolheram ideias, ouviram histórias, partilharam técnicas criativas. No final, a conclusão: “temos que nos libertar todos os dias de amarras, para viver a vida ao máximo e seguir os nossos sonhos”. O maestro lembra que o refrão, escrito pelos jovens, é prova desse mesmo sentimento: segue os teus sonhos, deixa o passado para trás; nunca desistas, não deixes que nada te impeça; levanta a cabeça, vive a vida que queres viver.

Rui Maia, provedor da Misericórdia de Vila do Conde, confessa que “dedicamo-nos excessivamente ao trabalho e esquecemo-nos do resto que a vida nos pode dar. Somos todos Antónios, quase todos os dias”. Um espetáculo motivador, com uma excelente mensagem, confessa o provedor: “saber que o futuro deles depende mais deles do que de qualquer outra pessoa. Eles podem escolher o seu próprio caminho e devem lutar por isso”.

Orgulhoso pela prestação dos jovens da Casa da Criança, o provedor enalteceu o excelente trabalho feito em parceria com a Casa da Música e a Câmara Municipal. “A Santa Casa está aberta à comunidade e a parcerias, porque enriquecemos todos, quando trabalhamos em equipa”, conclui.

Voz das Misericórdias, Vera Campos