“Basta ajudar a criar crianças num ambiente feliz para saber que já valeu a pena.” É assim que o provedor da Misericórdia de Vila Real, Joaquim Gomes, olha para o trabalho feito pelo Centro de Apoio à Vida (CAV) Florescer.
Em funcionamento desde 2015, esta valência tem como prioridade “a salvaguarda de uma vida e também da dignidade da mãe”. Até ao momento, apoiou 16 agregados familiares, 12 dos quais na modalidade de acolhimento. “Foi muito importante apoiar essas adolescentes, sendo que a mais nova ia fazer 13 anos, e prepará-las para ser mães. A nossa missão na sociedade é ir ao encontro dos mais necessitados e, neste caso, de adolescentes que não tinham retaguarda familiar e que, aqui, tiveram um acolhimento personalizado, com pessoas que as apoiavam, acompanhavam e ensinavam”, sublinha o provedor.
Além do atendimento e acompanhamento de gestantes ou puérperas com recém-nascidos, o CAV assegura o alojamento a utentes do sexo feminino até aos 21 anos (e respetivos filhos) que tenham graves carências a nível habitacional, problemas de integração social e/ou familiar ou, ainda, em situação de ausência de família estruturada ou sem retaguarda familiar. “Como são jovens com baixa autoestima e autoconceito, chegam com medos relacionados com o seu papel de jovem/mulher e futura mãe/mãe. Por isso, tem de se começar por vencer o medo do desconhecido, explicando o papel que o CAV pode ter nas suas vidas e na forma como gerem a relação parental. Paralelamente, tem de se trabalhar a sua autoestima de forma a conseguirem vencer medos relacionados com as suas experiências passadas e conseguirem projetar-se no futuro, juntamente com os seus filhos”, explica a diretora técnica, Tânia Pereira de Sousa.
Foi esse o caso de B., quando, aos 16 anos, descobriu que estava grávida. No primeiro contacto com as técnicas, sentiu-se “um bocadinho constrangida com a situação”. “Tive um bocado de receio, porque nunca pensei ter uma criança com aquela idade”, confidencia, volvidos quatro anos. Natural de Vila Real, B. foi das primeiras gestantes a ser recebida no CAV, onde ainda permanece para ver se sai “com uma vida melhor”.
Com capacidade para 10 utentes, o CAV tem seis colaboradoras que ajudam a fomentar a responsabilidade parental. À medida que a barriga ia crescendo, B. aprendia a passar a ferro, a cozinhar e os cuidados parentais: “ensinaram-me como podia dar-lhe banho e até como é que devia distinguir o choro”. O nascimento da filha foi uma “mudança radical”, mas B. reconhece que “teve muita ajuda”.
A diretora técnica ressalva o “trabalho de cariz multidisciplinar” para assegurar condições básicas de sobrevivência (alimentação, higiene, repouso e conforto), cuidados de saúde e apoio psicológico e social. “Queremos contribuir para o desenvolvimento das capacidades e potencialidades das jovens e dos seus bebés, no sentido de favorecer a sua progressiva integração social e profissional, definindo ao mesmo tempo um projeto de vida.” O acompanhamento estende-se após a última etapa de autonomização, “apoiando nas dificuldades que daí possam advir”. “Apesar do regulamento prever uma duração máxima de 18 meses, o acolhimento, na maioria dos casos, vai além desse período para permitir a continuidade dos estudos e consequente integração no mercado laboral”, refere.
Sempre que a família (progenitores da mãe e/ou o pai da criança) se revela como um suporte, é envolvida, “podendo acompanhar o processo de gravidez e todas as etapas seguintes”. “Na maioria das vezes, não existe este envolvimento familiar, ou porque as famílias de origem são desestruturadas ou residem em distritos geograficamente distantes, ou porque as gravidezes resultam de relações fortuitas”, esclarece Tânia Pereira de Sousa.
No caso de B., a ligação com a família “continua igual”, com mais restrições agora por causa do contexto pandémico, mas com o pai da sua filha o contacto é o estritamente necessário: “quando liga, a minha filha fala com ele”. “Sempre tive o apoio da minha família, mas não tinha tantas condições em casa como tenho aqui. Deram-me o reforço e continuei a estudar, o que foi bom”, frisa.
Metade das jovens acolhidas é oriunda do distrito e a outra metade provém de outras zonas do país, maioritariamente do concelho de Aveiro. “A média de idades, à data do acolhimento, é de 16 anos e são jovens que chegam em anos de escolaridade diversos e inferiores ao que seria expectável para a sua idade.”, acrescenta a diretora técnica. Até aos últimos dias de gestação, B. foi para a escola e depois do nascimento da filha, continuou. Agora, no 11º ano, quer ingressar na universidade para tirar o curso de enfermagem. “Ter vindo para o CAV ajudou-me muito. Eu estava muito mal na escola e quando vim para aqui, tive a possibilidade de começar a ter as boas notas que poderia ter tido. Agora, tenho a perfeita noção de que estou melhor do que antes.”
Quando pensa no passado recente, B. sabe que, sem o suporte do CAV, a maternidade não teria sido vivida plenamente: “acho que teria ficado sem a minha filha ou pior, viria a perdê-la por incapacidade financeira”.
Voz das Misericórdias, Patrícia Posse