“O grande salto que demos foi termos conseguido capacitar as cuidadoras para humanizar e adequar os cuidados em função das necessidades e preferências dos utentes. Indo além dos cuidados básicos, permanecem mais tempo no domicílio para desenvolver atividades de estimulação, ocupação e socialização”, adiantou Vera Oliveira, diretora técnica do serviço de apoio domiciliário (SAD), que funciona de segunda a domingo, entre as 08h e as 23h30. Mas, apesar do tempo de permanência ser maior, persiste, “alguma pressão para a gestão de tempo face ao número de casos em acompanhamento” [5 a 7] por cuidadora.
Para dignificar o ato de cuidar, a equipa alterou também padrões de linguagem, instalados entre colegas e familiares, e introduziu sessões de grupo com uma psicóloga que visam a gestão emocional e coesão da equipa. Sandra Marques, cuidadora na Santa Casa há 18 anos, considera que “esta formação deu ferramentas para cuidar melhor. Cada pessoa é um mundo singular e temos de tratar todos de maneira diferente”.
Os dias de trabalho começam no quartel general da equipa de SAD, sedeado no Lar Granja Luís Rodrigues, em Costas de Cão (Caparica). “Apanho as chaves, o telefone de serviço, onde registamos tudo o que fazemos, falo com as doutoras e definimos o que vamos fazer. Sou da volta 1, equipa de Almada-Cacilhas, para acompanhar sempre os mesmos utentes”.
Laurinda Lobo, 90 anos, é uma das pessoas que recebe a visita de Sandra e a restante equipa. “Hoje está um bocadinho ansiosa porque a televisão não funciona”, explica Alda Sacramento, supervisora das cuidadoras. Mas a ansiedade desvanece com o sussurro da guitarra de Carlos Martins, da Associação Música nos Hospitais. “Por vezes, fico só a dedilhar uma banda sonora, que liga com o que estão a dizer. Muitas pessoas precisam de falar e nós ficamos em escuta ativa. Esta intervenção exige uma delicadeza muito grande e uma visão de 360 graus”. Poucos dias depois de completar 90 anos, Laurinda celebra a vida rodeada de “pessoas boas e carinhosas”, deixando para trás um “casamento de terror”. Entre palmas e versos cantados, solta um desabafo emocionado: “Já não via tantos sorrisos na minha casa há muito tempo”.
No intervalo das canções, a terapeuta Cláudia Lima desafia-a a completar um puzzle, atividade muito apreciada, que faz parte de um plano individual para manutenção da autonomia que, segundo a diretora técnica de SAD, tem sido “uma mais-valia para evitar que se tornem mais dependentes”.
Os resultados são comprovados por utentes, cuidadores e familiares. Também a Fundação Calouste Gulbenkian reconhece o mérito da iniciativa, convidando a partilhar a experiência dos últimos meses numa mesa redonda sobre ‘Boas Práticas em Serviços de Apoio Domiciliário’, a 10 de dezembro, onde se sentaram apenas seis dos 15 projetos premiados em 2023.
Apesar deste reconhecimento, a Misericórdia de Almada confronta-se com as limitações dos acordos com a Segurança Social e avalia a possibilidade de continuidade do projeto, estando dependente de financiamento além das comparticipações existentes. “De um lado temos a Gulbenkian a distinguir-nos entre os melhores, diferenciando-nos pela capacitação das cuidadoras. Do outro, temos um acordo de cooperação fechado, com vários avisos sobre a vinda de um SAD 4.0, que nunca chega, como se se tratasse de um Quinto Império”, lamenta a diretora coordenadora técnica, Sofia Valério.
Constatando que o modelo está desatualizado, o provedor Joaquim Barbosa manifestou a intenção da Santa Casa se posicionar no “ponto de partida do SAD 4.0 e evoluir nesse sentido para ir de encontro às necessidades da população. O Dr. Manuel de Lemos tem falado muito numa reformulação da legislação de SAD e estamos disponíveis para estar na linha de partida”.
Neste momento, garante que a instituição está mais qualificada e “dotada de meios humanos para fazer um apoio domiciliário mais humanizado”. E mesmo sem apoios adicionais, vai manter a terapeuta ocupacional, após concluído o financiamento da Gulbenkian (janeiro 2025) e BPI Seniores (dezembro 2024). Na sua opinião, “falta acrescentar a saúde, embora já se incluam serviços como a terapia ocupacional, fisioterapia e apoio na toma da medicação, mas será certamente uma evolução”.
Outros aspetos a melhorar, segundo Sofia Valério, são “a alimentação e o tempo de permanência”, apesar dos esforços na personalização dos cuidados. “O apoio domiciliário do futuro congrega isto e tempo de qualidade com as pessoas”.
Entre os distinguidos pelo ‘Gulbenkian Home Care’, em 2023, incluem-se ainda as Santas Casas de Albufeira, Bragança, Campo Maior, Fundão, Mértola, Venda do Pinheiro e Vila Franca do Campo enquanto o ‘BPI Fundação La Caixa Seniores’ reconheceu, no mesmo ano, projetos de Arganil, Bragança, Oeiras e Vila Velha de Rodão.
Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas