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- Alvaiázere | Aproximar famílias e vizinhos para combater a solidão
A tarde soalheira não podia estar mais convidativa à atividade que Leonor Atalaia e Ana Ferreira prepararam para aquele dia: uma sessão de guitarradas de rua. Aos poucos, os participantes vão chegando e tomando o seu lugar no palco improvisado, instalado no quintal de D. Donzília, protegido do sol por uma frondosa nogueira. Enquanto isso, Ana vai afinando a guitarra.
Está, então, tudo a postos para mais uma atividade do “Capacitar para Partilhar”, um projeto coordenado pela Santa Casa da Misericórdia de Alvaiázere, que junta mais três instituições do concelho, com o objetivo de aproximar famílias e vizinhos para combater a solidão e o isolamento social de pessoas com mais de 65 anos que não estejam abrangidas por nenhuma resposta social.
É o caso dos oito moradores da Granja, aldeia da freguesia de Pussos de São Pedro, que naquela tarde se juntam para participar na sessão. Durante cerca de uma hora e meia, a música serve de pretexto para a partilha de experiências e de memórias. Entre cantigas, fala-se dos filhos e dos netos, muitos dos quais a viver longe, do processo de vacinação e do confinamento, mas também dos tempos de juventude em que as desfolhadas ou a apanha da azeitona eram momentos de trabalho aproveitados para a diversão, com muita cantoria à mistura.
“Era uma alegria. Sempre gostei muito de cantar. Mesmo quando estava na Alemanha, cantava muito enquanto trabalhava. Os patrões gostavam de ouvir as cantigas portuguesas”, conta Hortelinda Neves, que participa na sessão com o marido, José António, que, na sua mocidade, animava os bailaricos com uma flauta. “Tocava e dançava ao mesmo tempo. Agora já não tenho fôlego”, diz, acabando por ser desafiado para, numa próxima sessão, levar a flauta.
Naquela tarde, acabam por se improvisar instrumentos. D. Otília vai à arrecadação das velharias resgatar duas pandeiretas. Um cano velho e um ferro servem de reco-reco e a tampa de uma antiga panela é utilizada para dar ritmo. “Parecem cachopos outra vez”, diz alguém do grupo.
“Ainda vamos acabar a criar a orquestra da Granja”, brinca Ana Ferreira, técnica social da Casa do Povo de Maças de D. Maria - uma das instituições parceiras do projeto -, que traz um reportório só de música tradicional portuguesa. “Como conhecem as músicas, é mais fácil fazê-los participar. Desta forma, também avivamos memórias”, explica a técnica, que levou de volta mais uma música para acrescentar ao reportório, ensinada pelas mulheres do grupo. No final, ficou o desafio lançado por Otília: “Quando nos lembrarmos de outras cantigas, vamos escrevê-las para dar à rapariga.”
A música é uma das muitas atividades do projeto, que vão desde os convívios de rua, jogos tradicionais, recolha de tradição oral, caminhadas e ginástica, sessões de jogos de estimulação cognitiva e culinária, assim como “aconchego espiritual” com visitas com o padre, acompanhamento telefónico, entrega de bens essenciais ou videochamadas. Estas últimas ganharam especial importância em tempos de pandemia, como frisa Leonor Atalaia, referindo que, como Alvaiázere é um concelho com forte emigração, muitos idosos têm os filhos longe. “Em alguns casos, há mais de um ano que não se vêem fisicamente. Sozinhos, não tinham capacidade para fazer uma videochamada”, frisa Leonor Atalaia.
Foi, aliás, dessa forma que Maria Rosa e Augusto, dois dos 105 utentes acompanhados pelo projeto, tiveram a oportunidade de ver, pela primeira vez, o bisneto. Aconteceu no passado dia 30 de março, numa ligação proporcionada pela equipa do “Capacitar para Partilhar” para o casal dar os parabéns à filha, residente em França, que nesse dia comemorava mais um aniversário.
Gerontóloga, Leonor Atalaia explica que o projeto surgiu da necessidade de prestar “algum acompanhamento” a quem não está ainda em fase de institucionalização, uma franja da população para a qual “não há respostas que dê acompanhamento em termos do seu bem-estar e inclusão social”. E, se há pessoas “realmente muito isoladas”, cujo morador mais próximo chega a estar a “800 metros de distância ou mais”, também há quem tenha vizinhos, mas que precise de “um pretexto para ir ao encontro do outro e para criar rotinas”.
A técnica frisa que não se pretende olhar para as pessoas de “uma forma assistencialista, mas, sim, retirar o melhor que têm para oferecer”, com o intuito “de haver muita partilha entre as comunidades, os vizinhos e também estreitar relações com familiares”.
O “Capacitar para Partilhar” arrancou em setembro de 2019 e envolve, além da Santa Casa da Misericórdia de Alvaiázere e da Casa do Povo de Maçãs de Dona Maria, a Associação Social, Cultural e Recreativa de Almoster e o Centro Cultural Recreativo e Social da Freguesia de Pussos.
Com duração prevista de três anos, que pode ser renovada, o projeto abrange as cinco freguesias do concelho e conta com o apoio da Câmara de Alvaiázere.
Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva