Desde janeiro que, duas vezes por semana, Maria Gaivão e Inês Ramos, protegidas com máscara e álcool gel na mão, visitam cerca de 20 utentes que frequentam o Centro de Convívio da Galiza, da Misericórdia de Cascais, que se encontra encerrado devido à Covid-19. Ajudam a resolver pequenos problemas, marcam exames médicos, levam as últimas novidades, mas sobretudo sorrisos e “mimos enviados pelos colegas”, num serviço de correio móvel criado para manter a proximidade entre os utentes e atenuar a solidão. Também as crianças que frequentam o ATL da Galiza usufruíram deste serviço enquanto as escolas estiveram fechadas.
Pouco passa das 10 da manhã quando começamos a ronda. As primeiras visitas são a parcos passos da Casa Grande da Galiza, “por isso vamos a pé”, informa Maria Gaivão, diretora do ATL da Galiza. Ainda do outro lado da rua Maria grita: “Ó avó Lurdes, desça”.
Em menos de nada a avó Lurdes assoma. Começam as perguntas que se repetem em todas as casas, como viríamos a perceber mais tarde – está bem-disposta, como tem passado, precisa de alguma coisa, tem alguma coisa para enviar a algum colega, como está o monte de Páscoa, pergunta Inês Ramos, voluntária no ATL da Galiza desde maio de 2020.
A avó convida-nos a entrar para vermos o seu monte, uma iniciativa para o tempo de Quaresma, que consiste na plantação de sementes num vaso para recriar o monte onde Cristo foi sepultado e crucificado. “No fundo é um espaço de oração e algo que eles cuidam com muita paciência, porque querem ter o monte mais bonito”, explica Maria Gaivão, enquanto subimos as escadas estreitas. “Venham com cuidado, já aqui caí”, diz Lurdes. Apesar dos problemas nos pulmões, diz sentir-se bem, “os medicamentos estão a fazer efeito”.
Antes de partirmos, as novidades que a equipa lhe traz deixam-na feliz. “Na quinta-feira trazemos a segunda edição do nosso jornal, a sua receita de arroz de pato vai lá estar”. Sorri, enquanto nos mostra os trabalhos manuais que fez no centro de convívio, “ah que saudades”. “Depois da Páscoa vamos poder retomar as atividades”, diz Maria. A avó Lurdes ergue os braços. “Que boa notícia, que falta nos faz”.
A notícia gera alegria, mas também preocupação entre os idosos visitados. “Então e a vacina? Já viu o que está a acontecer?” Maria e Inês pedem calma e explicam: “nos milhões de pessoas vacinadas houve, infelizmente, alguns que tiveram uma reação menos boa, mas temos de ter calma. Além disso, as atividades vão ser sempre no exterior, vamos usar máscara, viseira e distanciamento”.
“Temos mesmo de começar as atividades, este tempo todo parados e fechados em casa está a resultar em muitas lesões, tanto cognitivas como físicas, muitos passam o dia sozinhos”, desabafa Maria Gaivão ao VM.
“Agora vamos à avó Jesus, que foi operada ao coração na semana passada”. Inês abre o portão que nos dá acesso ao pátio. Maria de Jesus, 90 anos, surge agarrada ao andarilho e imediatamente conta que a bisneta nasceu aquela madrugada. Parabenizamos a bisavó. A recuperar da cirurgia, diz que ainda não está bem, está “negra”. Mas isso não lhe tira a alegria e o ânimo.
Seguimos viagem, agora na carrinha da Misericórdia, que serve de escritório a Maria. Há consultas para marcar, um pedido de apoio domiciliário para ser feito, uma orientação para os voluntários que ajudam na mercearia comunitária. Inês conduz-nos, afoita, por ruas estreitas até à próxima paragem.
Paramos à porta da avó Fernanda, que nos recebe bem-disposta. A equipa do correio móvel brinca com ela: “como correu o almoço Fernanda, sua toleirona de unhas pintadas”. Gargalhadas. “Olha, fui almoçar com os filhos, tinha de ir arranjada. Mas foi um dia muito bem passado”, responde entre gargalhadas. A cumplicidade e amizade que se vive nestes encontros sente-se a cada casa que visitamos e o tempo “é sempre pouco para estar com cada um deles”, afirma Inês.
Fernanda aproveita a presença da equipa para enviar um presente a uma colega do centro que julgava fazer anos neste dia. “Não é hoje”, diz Inês, “é só no dia 26 de março”.
Mas nem sempre a boa disposição impera. As maleitas, a solidão e falta de retaguarda familiar pesam na vida destes avós. Lurdes e Francisco passaram a barreira dos 80 anos, são um dos casais que frequenta o centro. Ele está internado, ainda a recuperar de uma pneumonia antecedida de um diagnóstico de Covid-19. Lurdes está praticamente cega, o seu apoio era o marido. Agora é uma amiga, que lhe presta alguns cuidados, “quando pode”, conta Lurdes. Maria entra em ação, liga para o presidente da junta. “Temos de ajudar esta mulher”, diz, enquanto do outro lado ninguém atende. “Tento mais tarde”.
Em todas as visitas, os presentes multiplicam-se. Chocolates, bolos e flores como forma de agradecimento a quem doa o seu tempo a preencher a vida de quem se sente só.
O casal Rocha surge sem máscara. “Estávamos na horta a apanhar hortelã e coentros para o almoço”, atira Francisco, apoiado em duas muletas. Hoje o correio móvel traz-lhes uma mensagem da colega Madalena que lhes agradece o “caldo verde cortado fininho” e lhes “deseja muita saúde”. A ligação não se perde.
Também a avó Alice tem correio para receber. Um livro de sopas de letras, enviado pela avó Fernanda, e uma carta do avô Curvo que termina com uma adivinha: ‘então sabe se a mulher do viúvo pode casar com o cunhado?’. Rimos, enquanto tentamos decifrar a adivinha.
A visita de hoje está a terminar. Falta entregar o presente de aniversário, antecipado, à avó Margarida que já está à nossa espera com o seu monte de Páscoa. Maria aproveita para tirar uma fotografia: “é dos montes mais bonitos, o padre Jorge vai gostar”. “Até quinta-feira.”
Voz das Misericórdias, Sara Pires Alves