O ‘escultor da Golegã’, nascido em Lisboa, considerado um mestre na escultura e na pintura, filho de Manuel Fernandes, de quem herdou a veia artística, e com quem aprendeu os valores mais importantes da vida e da arte, decidiu abrir as portas do seu ateliê aos alunos da Academia Sénior e partilhar a sua paixão pelas artes e pela história.
“As pessoas aqui sentem-se em casa. Já são parte da família. É esta a minha forma de estar na vida. Tudo o que eu puder fazer para ajudar os outros, faço”, diz ao VM o artista, cuja obra que se estende da aguarela à escultura, encontrando-se representada em coleções particulares em Portugal, Espanha, Alemanha, França, Bélgica, México e Estados Unidos da América.
No seu ateliê, um grupo de cerca de 15 alunos aprende os ‘segredos’ da arte do restauro e da criação artística: “surpreendem-me todos os dias. Tenho uma aluna com 94 anos que faz coisas fabulosas”, confidencia.
Nestas aulas, segundo afirma, estuda-se muito a história das obras que são alvo de intervenção, os artistas e os materiais usados para produzi-las. Com essas informações, é que tenta manter ou devolver a “forma” original da obra.
“Para restaurarmos uma peça, temos que saber a fundo a sua história, o seu contexto e é isso que eu passo aos meus alunos”, refere, com um sorriso, Rui Fernandes que diz ficar “com o coração cheio” por participar neste projeto que, além do restauro dá vida às mascotes do ‘Artesanato Maria Avó’.
Tratam-se de pequenas bonecas de barro que dão corpo a esta "marca" criada em 2015 e que tem como objetivos fulcrais a valorização dos utentes e a promoção da inclusão social e das relações interpessoais.
Neste projeto, utentes da instituição dedicam-se à realização de diversos trabalhos, nomeadamente em ponto de cruz, pé de flor, ponto margarida ou rechelieu: trabalhos manuais, muito minuciosos e com um cuidado especial nos detalhes, permitindo que os utentes das diferentes valências usem e abusem da criatividade e coloquem o seu talento nas bonecas, panos, aventais e todos os produtos especiais deste projeto.
Nos ateliês de bordados ornam-se aventais, toalhas, sacos, panos, bordando-se motivos alusivos à Capital do Cavalo, recriações das obras do mestre Martins Correia (de modo a imortalizá-lo) e outros motivos recolhidos de gerações passadas.
Mas, mais que uma terapia ocupacional, mais que uma forma de não deixar morrer esta arte, neste espaço, “(re)aprende-se, a estar juntos com otimismo, partilha de saberes, conversas, segredos e afetos”, como frisa Fernanda Oliveira, diretora técnica da Santa Casa da Misericórdia da Golegã.
A dedicação a cada obra não se esgota nas instalações da instituição e viaja até casa de quem quer estar envolvido, como é o caso dos utentes do centro de convívio.
E a palavra “convívio” é o denominador comum que junta estas mulheres, como nos diz Maria José Caixinha, uma das utentes envolvidas neste projeto: “estou cá há três anos. Sentia-me muito sozinha em casa e aqui sinto-me bem”.
O mesmo sentimento é partilhado por Deolinda Rocha: “decidi vir para cá [Academia Sénior] por causa do convívio… para me distrair, para fazer qualquer coisa de útil com o meu tempo livre”, confidencia, enquanto borda uma peça.
Maria Zibreira trabalhou toda a vida numa fábrica de malhas e, quando se aposentou, decidiu colocar esse capital de saber ao serviço do ateliê de bordados. Está no projeto há cerca de 11 anos e já trouxe duas amigas: “somos uma família”, resume.
A abertura curricular, uma aposta cada vez mais clara Academia, “é de extrema importância para a inclusão”, diz a responsável da Santa Casa, Fernanda Oliveira, acrescentando que, desta forma, se permite a convivência de idosos com formações, interesses culturais ou artísticos de diferentes enquadramentos e com experiências de vida muito diversificadas.
Assim, para além da instituição combater o problema da solidão, que afeta de forma inegável esta faixa etária, possibilita-se ao idoso uma reintegração na vida social, permitindo-lhe paralelamente desenvolver competências efetivas de acordo com o seu perfil e potenciando assim uma verdadeira aprendizagem ao longo da vida.
Não menos importante, é o reconhecimento social por parte dos alunos que frequentam estes espaços, mas também dos voluntários que aí lecionam ou dos parceiros que assumem este projeto como uma responsabilidade sua.
Voz das Misericórdias, Filipe Mendes