“Agora é que vamos ver se ainda me lembro.” A dúvida de Manuel Felizardo surge no início de mais uma sessão de matemática no Lar de Nossa Senhora da Encarnação, da Misericórdia de Leiria. Desta vez, os professores da Escola Superior de Tecnologia e Gestão (ESTG) do Politécnico de Leiria desafiam os utentes a procurar no baú de memórias os conhecimentos sobre numeração romana.

Divididos por três grupos, cada um acompanhado por um docente, começam por receber fichas de exercícios e cartões de apoio que podem ir consultando. Antes, Conceição Nogueira, uma das professoras, contextualiza o tema da sessão: “O homem sempre teve necessidade de contar e, por isso, foram sendo criados sistemas para o fazer. Os primeiros vestígios são da contagem de animais com pedrinhas”. “Também eu fazia isso em garoto”, partilha Manuel Felizardo, de 95 anos.

Feita a introdução, os utentes lançam-se aos exercícios, que incluem, por exemplo, fazer a correspondência entre números romanos e árabes e resolver multiplicações, somas, subtrações e divisões, recorrendo ao sistema criado pelos romanos.

“A única vez que trabalhei com numeração romana foi na escola primária. Já lá vão muitos anos”, refere Celeste Sousa, antiga educadora social, de 86 anos, que confessa gostar "muito” da atividade, porque permite “ir buscar coisas que já estavam esquecidas”. “Até eu tive que rever as regras”, assume o professor Luís Cotrim.

No final da sessão, com as fichas preenchidas com exatidão, Celeste Sousa assume a satisfação pelos resultados. “Fiz tudo. Às vezes, temos de pensar um pouco, mas consegui resolver sem grandes dificuldades”, conta. "É bom para pôr o cérebro a trabalhar”, atesta José Rodrigues, de 78 anos, que realça o facto de o projeto ajudar a ativar a memória. “À medida que vamos fazendo os exercícios, relembramos coisas que estavam esquecidas.”

E foi isso que Manuel Felizardo conseguiu fazer com mestria, resolvendo, com rapidez e exatidão cada uma das fichas, provando que, afinal, ainda tinha bem presente os conhecimentos que aprendeu na escola primária. Conta que fez apenas a quarta classe - “passei com distinção”, assinala, com orgulho -, e que, depois, foi aprender o ofício de barbeiro, que exerceu até aos 90 anos. “Só deixei de trabalhar com a pandemia”, diz, enquanto termina o último exercício, escrevendo a sua data de nascimento em numeração romana.

“Às vezes, custa-me a ler e a compreender o que é para fazer, mas os professores estão cá para ajudar”, reconhece Manuel Felizardo, fazendo um compasso de espera para que os restantes colegas de mesa concluam o trabalho para passarem à última atividade da sessão. É um jogo de dominó, mas com as peças alteradas. “Em vez das tradicionais pintas, temos números romanos”, especifica Ana Mendes, coordenadora do projeto, que começou no início de 2024 por iniciativa de alguns professores do Departamento de Matemática da ESTG.

Segundo a docente, a iniciativa partiu de uma ideia de Luís Cotrim para “trabalhar matemática” com idosos, com o projeto a ser pensado para as vertentes presencial e online. Para já, está em fase-piloto no lar da Misericórdia de Leiria, mas a intenção é levá-lo a outras instituições e dinamizar também a componente online.

Ana Mendes explica que o objetivo é “estimular as capacidades cognitivas” dos idosos e, ao mesmo tempo, “desmistificar o 'bicho papão' da matemática” e promover a "autossatisfação” dos participantes. “Aprender pequenos conceitos ou recuperar conhecimentos faz com que se sintam realizados. É a velha máxima de que nunca deixamos de aprender e que nunca é tarde para o fazermos”, assinala a professora, assumindo que o projeto traz também satisfação aos docentes, porque funciona como “mais uma forma de divulgação da matemática”.

Já Mariana Sá, animadora sociocultural na Misericórdia de Leiria, destaca a mais-valia da iniciativa para a instituição, na medida em que permite alargar a oferta de atividades para os utentes. “Estamos completamente abertos a estas parcerias com o exterior. Tudo o que pudermos fazer pelos nossos utentes, fazemos.”

Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva