Os idosos que frequentam as atividades ocupacionais promovidas pelo Centro Comunitário de Vermoim/Sobreiro, da Santa Casa da Misericórdia da Maia, espalharam talento, no passado dia 31 de outubro, no Grande Auditório do Fórum da Maia. O espetáculo inseriu-se no projeto “Holograma”, desenvolvido pela Casa da Música, com a finalidade de “abrir a programação a públicos sem práticas culturais”.

Chegamos ao Fórum da Maia, marcavam os ponteiros do relógio 16h30. Cá fora, apesar da chuva intensa, várias pessoas, abrigadas da intempérie debaixo de um coberto, aguardavam a abertura das portas do anfiteatro. A reportagem do VM avança para o interior da sala onde o maestro e os utentes do Centro Comunitário de Vermoim afinam as vozes e dão os últimos retoques para o concerto do Holograma. Nota-se o entusiasmo, não fosse esta uma oportunidade única: atuar perante uma plateia, num dos espaços culturais mais conhecidos da cidade.

Às 16h50, o maestro manda toda a gente para os bastidores. É preciso vestir a indumentária festiva. Entretanto as portas do auditório abrem-se e, os espectadores, maioritariamente familiares, começam a acomodar-se.

Quase com pontualidade britânica, ecoam os primeiros acordes musicais e, um a um, os quinze utentes entram em palco, cada um deles proferindo uma mensagem: amar, unir, encantar, rezar, dançar, cantar, cultivar, florescer, educar, ajudar, viver, inovar e unir foram algumas das expressões pronunciadas. Todas as palavras exprimem a vontade de construir uma sociedade mais inclusiva.

Ao longo de aproximadamente 50 minutos foram muitas as canções interpretadas. Umas adaptadas ao cancioneiro maiato, outras, que o público também ajudou a cantarolar, numa interação gerada pelos “ilustres artistas”.

As letras estavam todas na ponta da língua embora todos tenham partido do zero, revelou ao VM o maestro António Miguel, que acumula também funções como responsável do coro da instituição da Maia. “Todas as letras e músicas foram especificamente elaboradas pelos utentes e pela equipa formadora da Casa da Música, pegando em canções tradicionais da Maia e adaptando-as para este espetáculo”, explicou. 

Beethoven, encarnado por António Miguel, foi o compositor “convidado” para o concerto. Nos dias que antecederam a subida ao palco, os utentes, através do serviço educativo da Casa da Música, ficaram a conhecer, de forma sucinta, a vida e a obra de um dos compositores mais respeitados e influentes de todos os tempos.

Nos primeiros ensaios, os utentes “sentiram-se pouco expansivos e muito retraídos”, mas à medida que as horas avançavam e os sons iam entoando, “começaram a soltar-se até que, uns, puxavam pelos outros”, conta Lilian Raquel, da direção musical. “Este acaba por ser um projeto de apoio entre eles e os mais autónomos auxiliam os menos funcionais”, sublinha.

Este tipo de programas ocupacionais “são importantíssimos para promover o bem-estar e colmatar a solidão em que as pessoas se encontram, com todas as consequências inerentes, quer na saúde física quer na saúde mental”, considera Mário Figueiredo, coordenador do centro comunitário.

“O mais importante é tratar-se de um projeto inclusivo”, realçou Olinda Cruz, 84 anos e uma das vozes que encantou a plateia. Esta utente do centro comunitário está habituada às lides artísticas. Já fez teatro na universidade sénior, cantou em vários coros e atuou algumas vezes na Casa da Música através de outros projetos. “Esta foi uma ótima experiência e estou aberta a outras”, confidenciou.

Virgínia Sousa, 71 anos, não conseguiu estar presente em todos os ensaios por se encontrar fora do país, mas “a boa vontade e a alegria fizeram o resto” adiantou, acrescentando que também já atuou algumas vezes na Casa da Música, “mas este projeto foi de outra dimensão”, confessou.

A empatia que se cria entre todos, incluindo os músicos, “é incrível”, assegura o maestro. Uma das lições principais “é dar oportunidade a estas pessoas de aprenderem algo de forma educativa e em conjunto, num processo inclusivo que lhes proporciona bem-estar e confiança.  “Quando estavam a compor as letras das músicas, alguns já diziam em tom de brincadeira: “nós também somos compositores”. São mesmo, acrescenta Lilian Raquel. 

Há talentos escondidos que se revelam. Um dos participantes elaborou uma letra em casa que veio a encaixar na música que tinha sido preparada. “Isto demonstra a dedicação ao projeto”, sustenta o maestro.

Para Mário Figueiredo, este projeto em concreto mostra que o acesso a bens culturais considerados mais elitistas não deve direcionar-se apenas para pessoas de um estrato social mais elevado. “A música é uma só e disponível para todos os ouvidos”, frisa.

Voz das Misericórdias, Paulo Sérgio Gonçalves