A letra está (quase) na ponta da língua. O ritmo está marcado. As mãos frágeis seguram os objetos. E o resto? O resto é música! Está a começar mais uma sessão do “Musicalidade”.

Chegamos à Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI) Rainha Santa Isabel, da Santa Casa da Misericórdia do Marco de Canaveses, pouco antes das duas da tarde. É quinta-feira. O almoço já terminou e ouvimos música vinda de uma sala próxima. Ao som que sai das colunas juntam-se vozes que também trauteiam cantigas. Elsa Freitas, animadora sociocultural, conta-nos que “a música, por aqui, é a toda a hora. Ali ao lado, os utentes estão a tomar o seu cafezinho e aproveitam para ouvir as cantigas que mais gostam”.

Juntam-se à conversa Sara Moreira, psicóloga, e Inês Couto, musicoterapeuta. Apesar do rosto tapado pela máscara, percebemos, pelo rasgado olhar, que vêm a sorrir. “É uma animação”, diz Sara Moreira, ao mesmo tempo que aproveita para terminar o café que traz na mão. Inês Couto afasta-se e percebemos que está a preparar os instrumentos que iremos levar para o local da primeira sessão da tarde, no Centro Social Vila Boa de Quires.

Instrumentos na bagageira. Sara Moreira na condução. Inês Couto no pendura. Vera Campos, que vos escreve, e Elsa Freitas no banco de trás. A viagem é curta. Pelo caminho testamos a perícia da psicóloga, aqui na função de condutora, que de forma exímia conduz a carrinha de nove lugares por ruas estreitas, enfrentando até reboques mal-estacionados.

O Centro Social Vila Boa de Quires é uma das instituições com centro de dia que integra o projeto “Musicalidade”. Aguardam-nos cerca de 15 utentes. Homens e mulheres. Cadeiras alinhadas e todos sentados, são distribuídos os instrumentos. Há tambores, pandeiretas, ferrinhos, maracas, reco-reco e até um cavaquinho (reservado para o Sr. Albino, que não esteve nesta sessão). A viola (ou será guitarra?) está no colo da professora. Inês Couto arranca com a tradicional música “Boa tarde”, onde se saúda, pelo nome, cada um dos presentes e que todos repetem sem errar. 

As primeiras visitas começaram em janeiro. E como diz o ditado: “Primeiro estranha-se. Depois, entranha-se”. Inês Couto lembra-nos que “no início, era difícil a coordenação, o próprio manusear dos instrumentos e o à vontade em cantar. Ao fim de pouco mais de 10 sessões, as diferenças são enormes”.

Um dos objetivos do projeto passa, também, por promover a socialização e integração. Uma realidade que podemos comprovar “in loco”, com os utentes a manifestarem uma enorme entreajuda. A animadora sociocultural, Elsa Freitas, também com responsabilidade de coordenação, acrescenta que os efeitos se sentem, igualmente, ao nível da autoconfiança e da autoestima. “No final de cada sessão, nota-se um bem-estar geral, que se reflete na qualidade de vida e de saúde de cada um dos participantes”.      

O projeto “Musicalidade”, financiado pela Fundação Belmiro de Azevedo, integra na equipa, além da animadora sociocultural e da musicoterapeuta (professora de música), uma psicóloga que avalia, de forma contínua, cada um dos participantes. Esta avaliação permite monitorizar estados de ansiedade, emoção e saúde mental. Para a psicóloga, Sara Moreira, os resultados têm sido “fantásticos”. “Notamos que se sentem mais tranquilos, relaxados e com menos sinais de ansiedade”.

Passaram 40 minutos. Passaram também “A saia da Carolina”, “O Mar enrola na Areia”, “A Laurindinha” e “A minha saia velhinha”. Em cada cantiga, em cada verso, há sempre um recordar de memórias boas. Tristeza, só no fim, porque acabou. “As sessões deviam ser todos os dias”, dizem-nos na despedida. De regresso à ERPI Rainha Santa Isabel, comenta-se a evolução que se nota. “É fantástico recordar como eram na primeira vez que aqui chegámos e agora. Uma diferença enorme e que vai continuar até outubro”, confessam as técnicas. 

O projeto “Musicalidade” foi vencedor na candidatura financiada pela Fundação Belmiro de Azevedo, designada de “Apoio a Projetos Sénior – Combate à solidão da população sénior com recurso às artes”. O objetivo é promover o envelhecimento ativo e saudável, a qualidade de vida, combatendo o isolamento e a solidão, através de atividades musicais. Com a intervenção de profissionais das áreas da Musicoterapia, Animação Sociocultural e Psicologia, as atividades desenvolvidas promovem a manutenção das funções cognitivas, motoras, sensoriais e emocionais, com a música como elemento distintivo e diferenciador. Esta intervenção envolve cerca de 120 pessoas, com idade igual ou superior a 65 anos, que beneficiam de respostas sociais no concelho.

Voz das Misericórdias, Vera Campos