Ouvir. Partilhar. Conversar. Expressar. Sentir. Estar. Seja qual for o motivo, o importante é fazer parte. Desde setembro que os utentes seniores da Santa Casa da Misericórdia da Mealhada são presença assídua na Biblioteca Municipal. Numa parceria estabelecida com a instituição local, os idosos desenvolvem regularmente sessões que visam estimular a leitura, a memória, a concentração e a imaginação. O VM acompanhou uma sessão especial, na qual os utentes foram surpreendidos por uma homenagem que a todos “tocou no coração”.

Dia 29 de novembro. A Biblioteca Municipal da Mealhada comemora 17 anos. Um grupo de utentes da Misericórdia local desloca-se ao espaço para mais uma manhã de atividades. Vera Martins, técnica da biblioteca, recebe-os calorosamente e encaminha-os para a sala. Primeira surpresa: as paredes estão decoradas com os retratos de cada um dos utentes. Correção: autorretratos. Sim, porque, sem saber a finalidade, cada utente foi desafiado a desenhar o seu autorretrato em sessões desenvolvidas anteriormente.

Estão lá todos. O Marcial, a alegria da casa, o guloso por natas e do Sporting. O Leopoldino, que veio de Mortágua já lá vão 18 anos. A Aida e o seu olhar encantador, a Ascensão, a D. Conceição e todos os demais que fazem parte desta família. Nuno Filipe, animador sociocultural da Misericórdia, acompanha o grupo nesta manhã. Conta-nos que cada visita à biblioteca é “vivida com muito entusiasmo”.

“Aqui eles são capazes de se exprimirem e partilharem emoções que não fazem, por exemplo, quando estão na sala do lar. Ficam a conhecer-se melhor, ajudam-se”, conta-nos. Vera Martins concorda e acrescenta que cada um teve um empenho excecional. “A dedicação e o rigor com que cada um se aplicou foi surpreendente. Não queriam que faltasse aquele pormenor que os distingue”, lembra. “Numa das últimas sessões, a biblioteca encerrava às 12h30m e eram 13h e ainda tínhamos alguns idosos a terminar o seu retrato”, acrescenta e sorri ao lembrar a frase de um utente: “Não posso assinar o meu retrato se não estiver perfeito”.

Depois de visualizarem a exposição de autorretratos, está na hora da segunda surpresa. Vera Martins prepara-se para ler um livro. Curiosamente, os nomes e os rostos são familiares, assim como algumas das características ali descritas. Não é por acaso. As sessões anteriores serviram, também, para recolher dados e pormenores de cada um. Depois, a equipa da biblioteca juntou os retratos e concebeu o livro “Uma biblioteca é uma casa onde cabe toda a gente”, resultado da adaptação da obra original, da autoria de Mafalda Milhões.

No final, felicidade e deslumbramento. E a vontade de cada um em levar um livro para casa. “Eu comprava um… Eu comprava dois para a minha filha. Se estiver à venda eu também compro” e podíamos continuar. A biblioteca ofereceu o livro à Santa Casa da Misericórdia e no ar deixou a promessa de tentarem produzir mais alguns exemplares. “Esta é a nossa forma de vos homenagear no dia do nosso aniversário”, diz Vera Martins.

“O resultado prova que os utentes têm capacidade de comunicar, explorar, sentir e construir as suas opiniões sobre os contextos que os rodeiam e que as suas histórias de vida e memórias são importantes”, pode ler-se no site da biblioteca que fez questão de partilhar a atividade desenvolvida.

A parceria da Santa Casa da Misericórdia da Mealhada com a Biblioteca Municipal teve início em setembro e é para continuar. Cada momento é o mote para abordar diferentes temáticas. Em outubro, os utentes ouviram a história do livro “Frederico”, de Leo Lionni, onde foram abordadas as temáticas do individualismo, da aceitação da própria identidade e da valorização dos sentimentos, das emoções.

Já no mês de novembro, a escolha recaiu sobre a mediação do livro e da leitura “Em que pensas tu?" de Laurent Moreau. Aqui, o objetivo passou por estimular a memória, atenção, concentração e compreensão verbal. Paralelamente cumpriu-se a intenção de proporcionar sentimentos de bem-estar, incentivar e estimular a expressão oral e o sentido criativo de cada um dos participantes.

Voz das Misericórdias, Vera Campos