No lar da Misericórdia de Oleiros, por estes dias, a azáfama é grande por causa da aproximação da feira do pinhal. “Todos os anos expomos e vendemos na feira o trabalho que as nossas utentes fazem no ateliê de costura e trabalhos manuais: bonecas, este ano fizemos matrioskas, coelhos de feltro, frascos enfeitados, rendas, quadros em tela e madeira”, conta a animadora social Rita Cruz.
A fama dos trabalhos das senhoras do lar de Oleiros já chegou à Sertã, já que no dia em que fomos visitar a Misericórdia, estavam a fazer uma “encomenda” de ursinhos para uma das escolas do concelho vizinho.
De agulha na mão, Luzia ponteava os olhos, a boca e o nariz dos ursinhos de feltro com a perfeição de quem fez da costura vida. Começou aos 16 anos, “fazia fatos de homem e tudo”, tirava medidas, fazia o corte, alinhavava, depois vinha a prova e, finalmente, os acabamentos. Hoje, sente saudades até do matraquear da máquina que mata com o matraquear das conversas na mesa do ateliê de costura.
De tesoura na mão, Adelaide Gonçalves recortava os ursos no feltro, com muito jeitinho. “Este trabalho não faz calo, estas mãos de fada já as ganhei aqui, porque eu nunca costurei, não tinha dinheiro para comprar a linha, colhi muita lata de resina, mudei carvão, fiz madeira, cavei terra, semeei e reguei muito milho.”
“E a mim só me ensinaram a cavar terra e a roçar mato, nunca fui à escola nem aprendi costura. Comenta Maria do Carmo, enquanto caseava os ursinhos. “Agora só falta encher, pôr os laços e os botões”. Para Maria do Carmo, que completou 85 anos no dia de Santo António, a costura é uma espécie de terapia porque, para ela, "é uma dor de cabeça não fazer nada”.
Esta é a atividade preferida delas. Confirma a animadora social, lembrando que nem todas fazem costura.
Elvira Alípia, aos 91 anos, trabalha a renda com o mesmo desembaraço com que antigamente geria uma taberna. Aprendeu na escola, no tempo em que faziam ligas de renda para segurar as meias.
Maria de Jesus Filipe já fez muitas rendas e continua a fazer, assim lhe permita a vista e as dores. “Faço aos bocadinhos, às vezes até na cama sentada, à noite. Sinto-me satisfeita e não penso noutras coisas, distraio.”
Entre capas para sabonetes, que irão perfumar as gavetas de alguém, e cestinhas para bombons que haverão de enfeitar a mesa de outro alguém, Maria dos Santos, pega na agulha da renda e começa a rendar a história da sua vida, passada na casa de uma enfermeira que tinha duas filhas que criou como se fossem suas. “Uma delas liga-me dia sim, dia não”. E enquanto o telefone não toca com notícias da única família que tem fora do lar, Maria dos Santos vai passando os dias entre a agulha e as linhas. “Não sou capaz de estar quieta sem fazer nada.”
Amélia, de olhos doces, como diz a canção, prefere pintar desenhos, já feitos, com lápis de cor. A delicadeza com que pinta e a suave combinação de cores, contrastam com as cores fortes e carregadas escolhias por Anúncia, a sua companheira de mesa. Amélia transmitiu-lhe o gosto pela pintura e ensinou-a, aos 92 anos, a pintar dentro dos riscos. Prova disso é o dossiê que exibe com orgulho e onde se vê a evolução das pinturas.
O único homem que participa no ateliê chama-se António Chora, “e às vezes choro, quando a vida roda para trás!”. Como aconteceu aos 79 anos, quando lhe cortaram a perna. “Nessa altura fiz o meu primeiro desenho”. Era um simbólico leão, que guarda como o primeiro de muitos desenhos que faz a partir da observação e das memórias. “Esta era a minha aldeia no Alentejo, esta é a casa onde eu fui criado, aos dias de semana entrava por aqui, pela porta da cocheira, aos domingos e feriados era por outra porta.”
António Chora vai comentando os trabalhos e acertando contas com a vida. “Esta é Rainha Isabel de Inglaterra, no tempo em que ela tinha 30 anos e eu também”. E termina com a “Dona Rosa e o Ti Chora” referindo-se ao autorretrato com a esposa, que desenha sempre a sorrir e com um vestido da cor do nome.
Alguns dos desenhos serão transformados em quadros de madeira que se vão juntar às rendas, às bonecas de trapos, aos coelhos de feltro, ursos e enfeitados frascos para mostrar a todos os que visitarem a feira do pinhal em Oleiros, lá para agosto. Voz das Misericórdias, Paula Brito