Dizem os mais sábios, e nós concordamos, que recordar é viver. E no baú das memórias e recordações cabem tantas e tantas histórias. Umas felizes, outras nem tanto. Algumas recentes, outras mais longínquas. A pensar nesta viagem pelas memórias, a Santa Casa da Misericórdia de Penafiel preparou, para homenagear São Valentim, uma oferta “bem quentinha”. Aliás, quentinha, delicada e colorida. E mais importante, repleta de linhas de amor.

Com base na história “A manta – Uma história aos quadradinhos (de tecido)”, de Isabel Minhós Martins, utentes e colaboradores da Misericórdia de Penafiel colocaram as mãos nos retalhos e construíram a sua própria manta. Esta atividade foi realizada nos três lares da Santa Casa: Lar Santo António dos Capuchos, Lar Fernando de Oliveira Mendes e Lar de S. Martinho. O VM visitou a Misericórdia e deixou-se aconchegar pela “manta de amor e recordações”.

Das lembranças de infância, passando pelo aconchego aos filhos, e depois aos netos, não há quem não se lembre daquela manta de retalhos que guardava no armário, no cantinho do sofá, ou no banco ali ao pé.

Maria Assunção Carvalho criou 10 filhos. A família cresceu e hoje somam-se mais 23 netos e 8 bisnetos. Aos netos e bisnetos não ensinou, mas os filhos mais velhos recordam-se, certamente, dos serões entre trapos e retalhos. “De algumas roupas velhas, e outros tecidos já gastos fazíamos mantas, aventais e sacos de pano. Antes tinham muito valor”, lembra a utente que escolheu como cores preferidas o vermelho e o rosa.

A primeira manta que recebeu chegou pelas mãos de uma vizinha. “Éramos muito pobres. Lembro-me muito bem de cobrir os meus filhos”. Nunca teve namorados, nem festejou o São Valentim, mas na Santa Casa foi quem mais cozeu. “Eu tenho muito jeito para as linhas e não custou nada. Foi muito bom recordar esta tradição”, confessa satisfeita.

Otelinda Teixeira não hesitou na hora de escolher duas cores: azul e branco. Adepta do Futebol Clube do Porto, foi na invicta que trabalhou durante 35 anos. Como jardineira ao serviço da Câmara Municipal do Porto, várias foram as vezes que tratou da relva do “velhinho” Estádio das Antas. Habituada à vida citadina, recorda-se de comprar tiras de tecido, que depois unia em casa, transformando-os em lindos tapetes e mantas. Do namorado recebia flores e, mais tarde, como marido, merecia um jantar no restaurante.

Cecília Moreira e Cremilda Silva recebem-nos juntas. Se para a primeira, solteira, a manta de retalhos faz recordar a mãe “que costurava muito bem”, para a segunda o verde faz lembrar os filhos. Cecília mantém o gosto pela costura e neste São Valentim sentiu-se “feliz” por recordar “outros tempos”.

Cátia Fonseca, animadora sociocultural na instituição há 15 anos, acompanhou cada pedaço de linha cosida, cada quadrado unido. “O tempo de isolamento provocado pela pandemia de Covid-19 teve efeitos muito negativos nestes idosos. Sentem muito medo do exterior e percebemos que também precisavam de exteriorizar algumas emoções”, explica-nos.

Pelas cores e padrões de retalhos escolhidos, manifestaram alguns dos sentimentos mais escondidos e, por isso, a animadora sentiu-se muitas vezes surpreendida pelos sentimentos à flor da pele. “Através de cada retalho, os utentes foram recordando memórias e sentimentos, uns que nos arrancaram gargalhadas, outros que nos fizeram verter lágrimas”, confidencia Cátia Fonseca. 

Voz das Misericórdias, Paulo Sérgio Gonçalves