São 44 anos que separam a Revolução dos Cravos dos dias de hoje. No dia 25 de abril de 1974, algo de estranho chegava aos ouvidos da maior parte da população, através da rádio.

Em 2018, o lar de idosos da Misericórdia de Reguengos de Monsaraz organizou uma atividade onde alguns utentes, através de um vídeo, deram o seu testemunho sobre o 25 de abril, dia esse que passou a ser apelidado de o “dia da liberdade”. O feriado é comemorado em vários locais e o lar de idosos não é exceção. 

“Resolvemos fazer uma coisa diferente, decidimos fazer um vídeo, pois é uma ferramenta que nos permite chegar a um maior número de pessoas, estando elas em Portugal ou não. Os idosos têm muita coisa para ensinar e é muito importante os jovens ouvirem a opinião dos mais experientes. É uma forma de chegar a esses mesmos jovens”, referiu Adriana Pereira, animadora do lar. 

Para a realização da atividade bastou, por um lado, disponibilidade, tempo, alegria e vontade, por outro, uma câmara, um fundo alusivo ao tema e uma memória daqueles vivenciaram um momento que fica para a história. Durante uma semana, cerca de 40 idosos, entre os 60 e os 99 anos, contribuíram, ao falarem sobre o dia, em que o cravo vermelho se tornou o símbolo da revolução de abril de 1974.  

Enquanto Adriana Pereira, os questionava sobre o acontecimento, os utentes procuravam as respostas na “gaveta” das recordações de uma vida. “O importante é eles sentirem-se bem com o que estão a fazer e perceberem que ainda podem realizar muitas coisas. Eles gostam muito de ser valorizados, não só aqui por nós, como também pelas outras pessoas”, assegurou a animadora.

E boa disposição não faltou, Narcisa Galante, de 85 anos, natural de Montoito, entrou na sala para gravar o seu testemunho a cantarolar “Grândola, vila morena, terra da fraternidade, o povo é quem mais ordena, dentro de ti, ó cidade” e ainda sublinhou, “gostei muito que se desse o 25 de abril”. 

Maria do Carmo Vogado, nascida em Reguengos de Monsaraz, agora com 99 anos, dedicou uma vida inteira ao teatro, porém, com um lado também solidário. Após o 25 de abril, fundou o lar de jovens e para o manter eram realizadas peças de modo a angariar dinheiro. Começou por ensaiar os mais pequeninos, depois os jovens e posteriormente os adultos. Foram tantas as histórias que Maria do Carmo, a segunda utente mais velha do lar de idosos, só deixou os palcos perto dos 80 anos. 

Um outro palco foi o do 25 de abril e esse Maria do Carmo não aplaudiu. “Tive medo! Um amigo do meu marido que estava em Lisboa estava a comunicar-nos o que se estava a passar, eu julgava que era em Reguengos e escondi-me no quarto”. 

Mas também houve quem recebesse mais tarde a informação do que se estava a passar naquele dia. É o caso de António Ciríaco, de 65 anos, natural de Mora e que em jovem pertencia a uma banda, onde tocava bateria. Agora faz parte da “família” do lar de idosos de Reguengos de Monsaraz e foi lá que contou onde estava na altura da revolução dos cravos. “Eu estava em Angola, pertencia às forças armadas da polícia militar, só soube da revolução mais tarde através de amigos e da rádio”. 
Histórias diferentes e experiências distintas, mas com algo em comum: todos apresentavam as marcas do tempo, as rugas que na cara e nas mãos se faziam ver, sinónimo de longos caminhos percorridos.

“Apesar de já terem uma certa idade, gostam de fazer este tipo de atividades para as outras pessoas verem e ficam muito curiosos em relação aos comentários que vão receber sobre o que fizeram”, destacou Adriana Pereira.

A Santa Casa de Reguengos de Monsaraz está a dar os primeiros passos, no que diz respeito ao vídeo e respetivo canal de youtube. Porém, o lar já tinha utilizado esse meio para outros temas, como por exemplo, para o natal e para o dia da mulher. 

“O que é preciso é a imaginação e uma das nossas funções é manter as pessoas ativas. Também fazemos parte da comunidade, não somos uma ilha e como tal queremos que eles estejam perfeitamente integrados através das mais variadas atividades”, afirmou Manuel Galante, provedor da Misericórdia de Reguengos de Monsaraz.

“As reações têm sido muito positivas e hoje em dia é fundamental apostar nestes meios porque todos podem seguir o que se faz no lar. Neste caso, podem ouvir os testemunhos que os idosos dão, assim existe uma interação entre várias gerações”, mencionou.

Interação essa que no futuro pode vir a ser maior. “Queremos que os idosos comuniquem com os familiares que estão fora, seja através do skype ou de o um outro meio”, afirmou Manuel Galante.

Voz das Misericórdias, Ana Machado