“Idosos, seniores, longevos, vetustos, avós, senescentes, anciãos. Tantos nomes possíveis e impossíveis – até já houve quem atrevidamente ousasse ‘peste grisalha’ e ‘brigada do reumático’. Porque não velhos, que começa com V de verdade, de valioso e de vida? É para mim a melhor palavra, mas como tem uma conotação pejorativa, irei evitá-la nestas linhas. Ou não.”
É assim o início do prefácio da autora do livro “Elogio da Vida”, da jornalista Sofia Meneses, que, como o próprio nome indica, é um elogio a quem já deu tanto e ainda tem para dar. Um elogio a cada um dos 21 protagonistas das histórias e a todos os outros velhos, como a autora assume serem, e um exercício cognitivo que aumentou a autoestima de quem se envolveu no projeto e que acabou por ser um abraço em vários sentidos.
Sofia Meneses não verbalizou as horas que passou nos dois lares da Misericórdia de Viseu (Lar Viscondessa de São Caetano e Residência Rainha Dona Leonor), mas “foram muitas” e hoje chama de família as pessoas que neles habitam.
O livro, edição da Misericórdia de Viseu, foi uma ideia original que a autora propôs à Associação para Proteção de Pessoas em Risco (APPR) e para quem reverte parte da receita.
Em conversa com o VM, Sofia Meneses lembrou todo o processo até chegar ao “Elogio da Vida”, um título inspirado na obra literária “Elogio da Velhice”, de Hermann Hesse. “As primeiras memórias que as pessoas têm são as negativas porque foram as que deixaram cicatrizes e o primeiro impulso era dizerem que não tinham nada para contar, porque a vida tinha sido difícil”, lembrou.
A autora contou que foi “preciso tempo e alguns truques”, como por exemplo uma lareira que ativava as memórias para “fazer com que as pessoas se lembrassem das boas recordações e também muita disponibilidade para ouvir”.
“Este livro é um abraço numa época de pandemia anti abraços, é um abraço que, na altura, também foi físico. É o abraço da partilha, da cumplicidade, das emoções, dos afetos, dos sorrisos e dos silêncios porque também foi - e é - preciso saber escutar”, assumiu.
Durante o ano em que se deslocou aos dois lares para estar com as 21 pessoas que dão vida ao livro, a jornalista disse que levava sempre um texto já escrito, “mesmo sabendo que não era o definitivo, a partir do qual as pessoas iam recordando outras vivências” e “a história ia crescendo”. Além disso, todos “gostavam de se ouvir nas histórias e ficavam felizes por perceberem que a história delas dava um romance”.
A jornalista observou ainda que as pessoas têm “muito tempo para pensar e, às vezes, em coisas negativas, nem esperam nada de positivo para o futuro”. Neste sentido, disse esperar que este projeto represente uma “mudança de perspetiva”.
Para Sofia Meneses, este projeto “é um contributo para estimular as pessoas cognitivamente, para aumentar a sua autoestima, para pensar em coisas boas da vida e, paralelamente, dar a essas pessoas um sentido de utilidade que ainda têm, porque a sociedade continua a precisar delas”.
“A sociedade, muitas vezes, acha que os idosos são só aqueles que levam o dinheiro do Estado, da reforma e que são um problema de saúde pública. Não. O livro também pretende desconstruir essa ideia. Estas pessoas são um bem precioso da nossa sociedade, pelo seu património humano, pela sua experiência de vida, pelas memórias ricas que têm”, defendeu.
Esta ideia é corroborada pelo provedor da Misericórdia de Viseu, que assina o prefácio da edição na qual “temos acesso, de forma impressionante, às múltiplas histórias de vivências singulares, captadas nesses encontros pessoais”.
Segundo Adelino Costa, o conceito deste projeto “procurava transmitir aos mais idosos a ideia de que, mesmo sentindo-se desvalorizados na sociedade, continuam a ser úteis, invertendo a ideia errada de que um idoso é uma pessoa que pouco importa. Pelo contrário, o projeto comporta a ideia de que os idosos mantêm grande utilidade, porque cada qual é um repositório de experiências de vida e de saber acumulado que importa transmitir às novas gerações”. Por isso, a Santa Casa “não podia deixar de assegurar a publicação final deste projeto” que “vai não apenas preservar memórias de atuais gerações, mas também projetar valores comportamentais para gerações futuras”.
O balanço final deste projeto denominado “Util-Idade” é positivo e por isso a autora revelou ao VM que gostaria de alargá-lo “a outros lares, de outras regiões”. Um desejo, para já, “impensável de concretizar” por causa da Covid-19. Sobre a possibilidade de recorrer às tecnologias, disse: “não seria a mesma coisa, porque o livro é muito olhos nos olhos, é de toque, é de abraços”.
Créditos Fotografia: José Mateus
Voz das Misericórdias, Isabel Marques Nogueira