O salão nobre da Misericórdia de Gaia encheu-se, no passado dia 12 de abril, para receber a primeira conferência do Secretariado Regional do Porto da União das Misericórdias Portuguesas (UMP). ‘As Misericórdias e o 25 de Abril’ foi o tema que juntou Manuel de Lemos, presidente da UMP, e o comandante Adelino da Costa, secretário da direção da Associação 25 de Abril.

“Importava assinalar aquilo que foi uma data memorável e marcante para Portugal há 50 anos”, começou por dizer o provedor anfitrião, Manuel Moreira, que também é presidente do Secretariado Regional do Porto. “As Misericórdias são o grande fator de desenvolvimento local, de agregação e de proteção das pessoas. O 25 de Abril libertou-nos para podermos chegar onde o Estado não chega”, afirmou Manuel de Lemos. Por sua vez, o comandante Adelino da Costa sublinhou que “o SNS que os portugueses tanto se orgulham costuma ser referido como consequência dos ideais democráticos do 25 de Abril, mas a sua criação foi devida, sobretudo, ao contributo, à experiência e ao empenhamento das Misericórdias”.

Recorde-se que antes do 25 de Abril, a rede nacional dos hospitais era assegurada pelas Misericórdias, havendo apenas, a complementar esta estrutura, os hospitais da Universidade de Coimbra, o Hospital Santa Maria, em Lisboa, e o São João, no Porto.

“As Misericórdias cuidavam das pessoas e cuidar das pessoas era algo que se fazia nos hospitais”, referiu Manuel de Lemos, recordando que “os primeiros hospitais eram constituídos por umas salas pequenas onde as pessoas chegavam e dormiam como hóspedes. Daí nasceu a palavra hospital”.

Depois da intervenção de Manuel de Lemos, Adelino da Costa abordou a adaptação das Misericórdias e das suas estruturas à nova realidade: a democracia.

As cerca de 350 Misericórdias existentes continuaram a efetuar o seu trabalho, muito assente na assistência hospitalar, que cobria cerca de dois terços da população portuguesa. “O programa do primeiro governo provisório incluía a intenção de criar o Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas esse objetivo só seria possível com a participação das Misericórdias e dos seus recursos humanos e patrimoniais, bem como da sua experiência e da sua sensibilidade social”, explicou Adelino da Costa.

Em dezembro de 1974, os hospitais centrais e distritais das Misericórdias passaram a integrar a rede nacional hospitalar e a serem administrados por comissões nomeadas pelo Governo, embora a propriedade dos edifícios e do seu património continuasse a pertencer-lhes. Mais tarde, em 1979, foi encontrada uma organização uniforme dos cuidados de saúde a nível nacional que resultou na criação do SNS.

“O 25 de Abril proporcionou a forma mais rápida de se montar o SNS. Estava lá a rede. De um dia para o outro, as Misericórdias viram-se sem atividade, tendo de se virar para algo novo. Havia os idosos, onde existia alguma experiência dos asilos, e as crianças. As Misericórdias começam então a sair da saúde e a olhar para aquilo que hoje chamamos respostas sociais”, explicou Manuel de Lemos.

Sustentando que “os Governos foram percebendo a importância que as questões sociais já tinham na Europa”, o presidente da UMP afirmou que a rede de cuidados que hoje serve a população portuguesa apenas foi possível após a revolução. “Foi o 25 de Abril que abriu a porta para que este movimento se fizesse”, assegurou.

Depois, os governantes mais atentos começaram a perceber que era cada vez mais ténue a diferença entre saúde e segurança social. “Foi isso que levou, e está a levar, inexoravelmente, o Estado a pedir às Misericórdias que regressem à saúde”, garantiu Manuel de Lemos.

Adelino da Costa referiu ainda que “as Misericórdias sentiram a mudança”, mas o surgimento da UMP trouxe uma diversificação de atividades refletidas no trabalho das 388 Misericórdias ativas no país, que apoiam diariamente cerca de 165 mil pessoas e contam com mais de 45 mil colaboradores diretos. “Estes números traduzem a importância das Misericórdias na economia e na solidariedade”, considerou o comandante.

Manuel Moreira defendeu que, como marco da história de Portugal, “o 25 de Abril permitiu-nos restaurar a liberdade e a democracia, apesar de ainda não sermos o país que queremos, que merecemos e pelo qual muitas gerações lutaram”, concluiu.

Voz das Misericórdias, Paulo Sérgio Gonçalves