No final deste dia de reflexão, o diretor geral da Santa Casa, Manuel Girão, mostrou-se satisfeito por ver na plateia “tantas cuidadoras, de infância e serviço de apoio domiciliário, a receber formação e a partilhar testemunhos e agradeceu às técnicas de serviço social que cuidam das cuidadoras e gerem as suas equipas com amor”.
Para algumas destas profissionais, a fórmula certa para cuidar de quem cuida é “amor, humor e paciência”. E cada uma assume este papel de “cuidar das outras”, revelam Júlia Andrade, Alessandra Oliveira e Iolanda Furtado, ajudantes familiares do serviço de apoio domiciliário, e Marina Duque, coordenadora da equipa, após tirar uma fotografia de grupo.
Comum a estas cuidadoras, e aos que partilharam a sua experiência neste dia, é a consciência de que se trata de um ato de amor e proteção, que envolve uma preocupação constante e muita paciência”, resumiu Sandra Vicente, assistente social da Misericórdia da Amadora.
Na mesa dedicada aos desafios do ato de cuidar, o jornalista Fernando Correia relatou como, pela primeira vez na vida, compreendeu o “significado total e absoluto da palavra amor” ao ser confrontado com a doença de Alzheimer da mulher aos 58 anos. “Foi preciso uma grande força interior para lidar com o imprevisto e a incógnita da doença, desde os primeiros sintomas às manifestações terríveis que se seguiram”. Hoje, reconhece que a experiência lhe trouxe os “ensinamentos necessários ao crescimento interior como ser humano”, mas também a constatação de que a sociedade não está preparada para “lidar com uma doença deste tipo”.
Henriqueta Tomás, professora e cuidadora informal dos pais, descreveu a experiência como a “mais avassaladora e enriquecedora” da sua vida. “A minha profissão ajudou-me bastante na resiliência, paciência, carinho e no facto de ter tido muito bons pais, que me transmitiram muito amor. Tenho aprendido imenso e tornei-me num ser humano melhor”, admite.
Após a partilha de vários testemunhos, a psicóloga Ana Quintais revelou que, apesar dos desafios associados à sobrecarga de tarefas e readaptação de rotinas, os “estudos indicam que o impacto é verdadeiramente positivo para quem cuida pela gratificação que sente em ser recíproco com quem já cuidou de nós”.
Mas como conseguimos? Assumir esta responsabilidade implica não apenas “amor e segurança”, como referiu a psicóloga, mas também “envolver a comunidade e os serviços”, sempre que necessário.
“Marcar tempo de descanso na agenda, ter uma rede de suporte e investir na dimensão do gosto” foram algumas das estratégias de autocuidado recomendadas por Carlos Azevedo, capelão no hospital D. Estefânia. A par disto, alertou para a necessidade de “deixar ser cuidado e ensinar os outros a cuidar de nós”, dimensão muitas vezes descurada.
Na comunidade, é possível recorrer a projetos como o ‘Olhar mais por nós’, desenvolvido pela Unidade de Cuidados na Comunidade Amadora, que capacitam os cuidadores informais e promovem o autocuidado, ao nível da gestão de emoções e técnicas de relaxamento.
Comparando o modelo de cuidados em diferentes países da Europa, Joana Carrilho da Silva, investigadora em políticas públicas na área da demência, destacou o papel que a família assume na prestação de cuidados em Portugal, contrariamente à “Escandinávia, onde o setor público tem mais responsabilidade, ou ao Reino Unido, onde o setor privado dá a resposta”.
No final de um dia de reflexão, o jornalista e mesário da Santa Casa, Joaquim Franco, acrescentou ao debate a dimensão política, referindo que “o cuidado implica amor incondicional, mas também corresponsabilidade política, pela forma como nos organizamos e apuramos tecnicamente para o exercício político e de cidadania”.
A este nível, o presidente da Câmara Municipal da Amadora, Vítor Ferreira, considerou que “a rede é essencial para fazer mais e melhor” e que o reconhecimento dos cuidadores na sociedade passa por “dar condições de descanso a estas pessoas com estruturas que asseguram este apoio, sendo responsabilidade de todos, Estado e organizações”.
O dia terminou com um momento cultural a cargo da AFID Ritmo, liderado pelo maestro João Silva. Este grupo musical de percussão é constituído por utentes da Fundação AFID Diferença.
Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas