Projeto da Misericórdia de Ansião promove envelhecimento ativo junto de idosos que não estão abrangidos por outras respostas sociais

O frio daquela manhã faz com que, desta vez, Angelina aguarde pela técnica da Misericórdia dentro de casa. Ainda na cozinha trocam as primeiras palavras. A psicóloga Sónia pergunta como foi o Natal por ali. “De manhã fomos à missa e à tarde veio a nossa filha. Um dia quase como os outros”, conta Angelina.

Ao lado, o marido Afonso segue-a, enquanto se encaminham para a sala onde decorrerá a atividade daquele dia do 'Rugas de Esperança', um projeto dinamizado pela Misericórdia de Ansião que pretende combater o isolamento social através de atividades que estimulem o envelhecimento ativo, o convívio social e a estimulação cognitiva, mas também dando respostas a necessidades básicas dos utentes, como aviar receitas, apoio na organização da medicação ou acompanhamento a serviços.

“Hoje vamos ter música e dança”, anuncia Sónia Rodrigues, enquanto tira do saco os materiais que usará na sessão daquele dia:  lenços, pauzinhos e um Ipad, através do qual o casal terá acesso aos exercícios preparados por Sílvia Ferrete, a animadora social da instituição. “O projeto procura também combater a iliteracia digital. Normalmente, fazemos videochamada com a nossa animadora, mas, desta vez, recorremos a uma gravação”, conta a psicóloga, que serve de intermediária entre a animadora e os utentes, usando também estas sessões para perceber o estado anímico dos participantes.

Depois de um breve aquecimento, Sílvia explica a coreografia da música que se segue e, assim, que identifica a canção, Afonso começa a cantar. “O mar enrola na areia, ninguém sabe o que ele diz….”, repete, ao mesmo tempo que tenta replicar os movimentos. “Cada um vai até onde consegue”, incentiva a psicóloga, observando o esforço de Afonso para acompanhar a atividade. “O cérebro dele está quase parado há 20 anos. Sofre de Alzheimer e está completamente dependente de mim. Mas esforça-se. Durante o dia, costuma pedalar [numa bicicleta fixa] para não ficar todo o dia no sofá”, conta a esposa.

Angelina e Afonso Costa, ambos com 74 anos, foram dos últimos a inscreverem-se no 'Rugas de Esperança', do qual tiveram conhecimento através de uma vizinha. Começaram há poucas semanas, mas já reconhecem as mais-valias do projeto, sobretudo porque “ajuda a quebrar a rotina”. “Estamos juntos há 55 anos. Já dissemos tudo um ao outro. Assim, passamos alguns momentos diferentes”, diz Angelina. E Afonso concorda: “Faz-nos bem”.

Teresa Fernandes, provedora em funções aquando da reportagem do Voz das Misericórdia e, entretanto, substituída por Filomena Valente, conta que o 'Rugas de Esperança' surgiu na sequência de um outro projeto, o Pezinhos de Lã, que consistiu na distribuição de botinhas a idosos do concelho feitas por voluntários. “Apercebemo-nos que há muitas pessoas a viver sozinhas, sem acompanhamento de qualquer resposta social e algumas até sem visitas, porque não têm filhos ou porque estes estão longe.”

Identificada a necessidade, a instituição fez uma candidatura ao Portugal Inovação Social e, também com o apoio de investidores sociais do concelho, pôs em marcha o projeto, que começou há cerca de um ano, mas que teve de ser adaptado devido à Covid-19. Melanie Dias, assistente social e coordenadora do 'Rugas de Esperança', explica que a ideia inicial era levar os utentes à instituição, para que pudessem participar nas atividades de animação e conviver com outras pessoas. “Tivemos de fazer alterações e, com recurso às novas tecnologias, levamos-lhes as atividades ao domicílio”, exemplifica, adiantando que a pandemia está também a condicionar o maior o envolvimento de voluntários no projeto.

Mas, se a Covid-19 colocou obstáculos à operacionalização do 'Rugas de Esperança', por outro lado, tornou ainda mais evidente a sua necessidade. “Se antes essas pessoas já estavam sozinhas, agora estão ainda mais”, nota Teresa Fernandes, frisando que, além de estimular o envelhecimento ativo, através de atividades físicas, lúdicas e expressivas, o projeto dá resposta a algumas necessidades básicas dos utentes, ao nível, por exemplo, da organização da medicação ou do acesso a bens e serviços. “Procuramos ir ao encontro daquilo que cada participante precisa”, reforça Melanie Dias, que coordena a equipa multidisciplinar do projeto, que integra também o enfermeiro Pedro Alves. Para já, estão abrangidos 13 idosos, mas o objetivo é chegar aos 20.

Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva