Aquecem os motores, rateres a estoirar, prego a fundo...aí vamos nós! Por umas horas, na tarde de domingo, 17 de novembro, os utentes do centro de atividades ocupacionais (CAO) da Misericórdia de Baião assumiram o papel de navegadores, ao lado de pilotos consagrados de ralis, na “Corrida dos Campeões”.
A bancada coberta do estádio Avelino Ferreira Torres, em Marco de Canaveses, serviu de acolhimento aos utentes da Misericórdia de Baião e de outras duas instituições - Cerci Marco e Cerci Amarante.
A espera pelo tiro de partida parece uma eternidade para quem aguarda por esta experiência única. Através do microfone da instalação sonora surgem as palavras de boas vindas, anunciando que a prova vai arrancar em breve. Os gritos de contentamento e os braços no ar mostram o sentimento que vai na alma destes homens e mulheres que hoje serão os protagonistas.
Fernando Monteiro, presidente da Casa do Benfica de Alpendorada - freguesia do concelho marcoense -, é o homem que há cinco anos deu corpo a este projeto solidário. De microfone em punho, anuncia que está tudo pronto para o arranque. A volta de reconhecimento é feita pelo próprio ao volante. O primeiro utente salta da bancada num fôlego em direção ao “bólide”. Auscultadores nos ouvidos, capacete na cabeça, cinto bem apertado e a corrida avança.
Quase sem perder tempo, os pilotos vão-se perfilando junto à "box" improvisada para receber os utentes em segurança. São quatro voltas para cada um. Pelo meio, há algumas perícias como peões, que levam ao rubro os navegadores especiais. Quando a volta termina é preciso retirá-los do carro porque a satisfação é imensa. "Estou muito feliz”, confessa emocionada ao Voz das Misericórdias (VM), Cristiana Monteiro, da Santa Casa de Baião que, pelo segundo ano consecutivo, participa no convívio. "Este ano ainda foi melhor, o carro andava com mais velocidade”, conta entusiasmada e de sorriso de orelha a orelha. "É tão fixe!", atira a utente, garantindo que ter estado ao lado do campeão nacional de ralis, Vítor Pascoal, “foi uma sensação única".
O desafio para este evento solidário surgiu há cinco anos, através de um pedido efetuado pela diretora da Cerci Marco a Fernando Monteiro, numa prova de rali. "Na altura pediu-nos para darmos uma volta com alguns utentes que assistiam a essa prova, mas como se tratava de uma competição oficial, tal não foi possível", explica o presidente da casa dos encarnados.
A ideia não foi esquecida e Fernando Monteiro convidou vários amigos amantes da velocidade a promover um evento solidário especificamente para estas pessoas especiais. Durante três edições foi a vila de Alpendorada que acolheu a iniciativa, mas há dois anos o repto foi estendido à Santa Casa de Baião e à Cerci Amarante. Dado o maior número de utentes e de pilotos que mostraram disponibilidade em participar, o evento teve de ser transferido para um espaço mais amplo e aí nasceu a parceria com o município de Marco de Canaveses para a cedência de instalações do estádio.
“Se não formos nós a perder um pouco do nosso tempo, as pessoas com limitações nunca teriam a oportunidade de sentir a emoção que se vive dentro de um carro de rali", afiança Fernando Monteiro acrescentando que "estamos habituados a correr com os navegadores da equipa ao nosso lado, mas aqui, vamos com uma pessoa especial, a vibrar, que nos diz mais gás, a fundo, transmitindo-nos essa alegria e adrenalina", revela.
Olhamos para o lado e sai da viatura Filipe Venâncio, do CAO da Misericórdia de Baião: "Espetáculo!", solta num ápice, assegurando que não sentiu medo. “Quero ir novamente”, refere virado para a diretora técnica da instituição, Hélia Vasconcelos. “Eles vibram com esta iniciativa. A nossa vontade era proporcionar este momento a todos os utentes, mas devido às suas limitações só puderam vir 14”, explica.
A idade destes utentes varia entre os 20 e 40 anos, num equilíbrio de género. “Elas ainda se entusiasmam mais do que eles”, garante Hélia Vasconcelos, sublinhando que “na viagem de regresso e nos dias seguintes, a festa prossegue ao contarem as peripécias”.
Estar ao lado de ídolos que só conheciam através da televisão “é um sentimento inexplicável para eles, além de se sentirem incluídos e da socialização que esta iniciativa proporciona”, acrescenta a responsável.
O atual campeão nacional de Ralis GT, Vítor Pascoal, foi a figura maior da tarde, assumindo que "este é o melhor prémio que podemos ter pela causa que representa”.
O piloto natural de Amarante acredita que “o evento tem pernas para andar e envolver um leque maior de instituições”, mostrando-se disponível para continuar a patrocinar estes momentos de imensa alegria. “Eles é que me pedem para fazer peões, acelerar, é uma emoção indiscritível”, afiança Vítor Pascoal.
Por último, fica o desejo de Fernando Monteiro, o principal dinamizador da corrida dos campeões: “Para o ano quero trazer pelo menos 20 pilotos, começar de manhã e acabar ao final da tarde, envolvendo mais instituições”.
Voz das Misericórdias, Paulo Sérgio Gonçalves