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- Boticas | Orquestra comunitária para lembrar o passado e pensar no futuro
Os idosos do Lar de Santa Ana e os utentes do Centro de Apoio a Deficientes do Alto Tâmega (CADAT), da Santa Casa da Misericórdia de Boticas, abraçaram um novo desafio: fazer parte de uma orquestra para lembrar o passado e pensar no futuro.
O projeto partiu da Associação Furor Iminente, sediada em Boticas, depois de, em 2021, ter ouvido histórias de várias pessoas que vivem nas aldeias do concelho. O tema principal foi o despovoamento e a emigração e de que forma, agora, viam o futuro da região. Dessas conversas, sobre como as pessoas se sentiam e pensam, foram criadas músicas.
Três anos mais tarde, no passado mês de setembro, a associação decidiu lançar o desafio aos lares do município de Boticas. Segundo a diretora artística do projeto, Beatriz Mendes, “a ideia era pegar nessas músicas e passá-las para palco”. “Trabalhámos as músicas que já tinham sido construídas e também criámos músicas novas. E tudo isso culminou num espetáculo em que o grande tema foi o despovoamento”, explicou.
Uma vez que se tratava de um projeto “inclusivo”, a Santa Casa da Misericórdia de Boticas não tinha como recusar o convite. Mais de 50 idosos e pessoas com necessidades especiais quiseram participar.
Daniel Moreno, animador da Misericórdia de Boticas, foi responsável por coordenar os utentes. “A música é como um veículo de transformação social, na medida em que se cria um espaço para partilha, para discussão de questões relevantes, porque depois não era só a própria música, debatiam-se vários temas. Foi feita uma partilha e uma discussão de questões relevantes para a nossa comunidade, assim como a procura de soluções”, explicou.
Todas as semanas ou de duas em duas semanas, os utentes reuniam-se para ensaiar. Esta rotina permitiu-lhes não só a “partilha de histórias e de vivências”, mas também “contribuiu para a prática, para a prevenção e melhoria da sua saúde mental e mesmo física”. “Algumas pessoas ainda puderam tocar instrumentos. Havia momentos em que tinham de bater as palmas, bater nas pernas, para criar um ritmo. Isso foi bom para desenvolverem as suas capacidades”, salientou o animador.
Mas durante os ensaios surgiu um obstáculo, algumas pessoas não sabiam ler. Então como iriam conseguir ler as músicas e interiorizá-las? Para cada problema há uma solução e neste caso foi muito simples. As letras das músicas foram transformadas em imagens. À medida que cantavam, surgia uma imagem que as fazia associar à palavra. “Conseguiram provar que são capazes de participar e de ter um papel fundamental na sociedade”, vincou Daniel Moreno.
Sílvio Teixeira é utente no CADAT. Sabe tocar viola e também gosta muito de cantar. Por isso, decidiu fazer parte da orquestra comunitária. “Foi bom para mim e para os meus colegas. Já que participo nas atividades, também quis participar nesta e ser ativo”, disse.
O que mais gostou foi poder “estar com os colegas” e “ensaiar”. “Senti-me motivado durante os ensaios. No início sentia-me envergonhado, mas com o passar do tempo perdi a vergonha e sentia-me muito bem. Interagi com outros colegas e contámos muitas histórias e isso foi bom também”, contou.
Com 82 anos, Maria Lurdes Cruz também não se deixou ficar para trás. Foi convidada a participar e, por isso, aceitou o desafio para poder “aprender” e “conviver”. Quando questionada sobre o impacto que o projeto teve na sua vida, a resposta foi simples: trouxe-lhe distração e experiência. “Gostei de tudo em geral, em especial do trabalho da Beatriz e da atuação da Banda do Couto”, acrescentou.
De acordo com Beatriz Mendes, trabalhar com uma faixa etária mais avançada é difícil em termos de “memorização” e as imagens foram a solução encontrada, mas também a gravação das músicas, para que os participantes as pudessem ouvir.
Outro dos desafios foi trabalhar com os utentes do CADAT, que implicam “outro envolvimento”. A diretora artística realçou que o trabalho feito com estas pessoas permitiu mostrar que “não há fórmulas” para o processo criativo e artístico. “Há aqui muito espaço para experimentação e com o CADAT tivemos muitas descobertas. Estivemos a experimentar várias coisas, havia coisas que resultavam melhor, outras coisas que não resultavam tão bem e para nós o processo também foi enriquecedor”, disse.
A orquestra comunitária envolveu quase duas centenas de pessoas, de vários lares, associações e grupos. O culminar do projeto ‘Entre o Passado e o Futuro, a Memória’ aconteceu com um concerto, no Pavilhão Multiusos de Boticas. Os ensaios retomam na primavera de 2025.
Voz das Misericórdias, Ângela Pais