Na roda dos anos repetem-se as mesmas cores, os mesmos hábitos, as mesmas tradições e, por vezes, as mesmas histórias. Mas, nessas voltas que a vida dá, muitas vezes cansadas da monotonia, há pessoas que dão outra vivacidade ao dia a dia e acabam por se transformar em amizades que se perpetuam no tempo. Relações de décadas, que nem os anos conseguem separar.

Seja nos caminhos por onde se cruzam diariamente, no aconchego do lar ou, quando a idade aumenta, no local que começam a apelidar de “casa”, há amizades que são para a vida e que permitem que os dias se tornem mais próximos da palavra “família”.

É o caso da estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI) da Misericórdia de Bragança, onde três amigas de longa data se reencontraram e onde, agora, nos dias que vão passando, recordam histórias e momentos de um passado em comum.

Clotilde Fernandes, carinhosamente conhecida por “Dona Tila”, tem 89 anos e já conhece “praticamente desde que nasceu” a amiga Maria Alice Rodrigues, de 98 anos, que já reside na ERPI há 22, mas nunca esqueceu as amizades do exterior.

“A dona Alice já me conhece desde pequenina. Eu morava na vila, dentro das muralhas do castelo de Bragança, e as nossas mães eram muito amigas”, recordou Tila, com um sorriso no olhar.

Apesar de não brincarem juntas na meninez, “por causa da diferença de idades”, Alice lembra-se de brincar com as irmãs da atual companheira e de a ver a correr pela vila fora, juntamente com as inúmeras crianças que as muralhas do castelo protegiam.

“Quando chegava o tempo das vindimas, íamos para casa umas das outras. A família da Tila vinha ajudar a minha e a minha ia ajudar a dela. Era sempre uma grande festa quando nos juntávamos”, contou Alice.

Anos mais tarde, em 1965, chegou a Bragança “uma menina muito bonita”, vinda diretamente do distrito vizinho. Era Ana Nogueira, conhecida como “Anita”, que trazia de Vila Real a mala e o coração aberto para novas amizades. E assim foi.

Como obra do destino, foi trabalhar para Bragança, para junto do irmão que estava casado com uma irmã da Dona Tila. “Como as famílias já estavam ligadas deu-se aí uma grande amizade”.

Apesar dos 89 anos que carrega de forma suave, Tila lembra-se como se fosse hoje do dia em que viu Anita pela primeira vez.

“Vi a menina Anita no casamento da minha irmã e do meu cunhado. Era uma menina lindíssima e extremamente educada”, recordou.

Com as voltas e mudanças, Anita acabou por mudar de rua e, mais uma vez por obra do destino, ficou a morar muito perto de Dona Alice. Surgiu assim um triângulo amistoso, que a vida foi delicadamente construindo.

“Os pais da menina Anita falavam muito comigo quando vieram para a beira dela. Tinha uns ricos pais e também tinham aqui uma rica filha”, disse Alice.

Agora, após anos e anos de histórias, partilhas, sorrisos e afetos, a vida encarregou-se de as voltar a juntar, quando as portas da ERPI da Misericórdia de Bragança se abriram para as três. Primeiro para a Dona Alice, depois para a Anita e, por último, para a carinhosa Tila.

À semelhança do casamento entre os irmãos de ambas, quando Tila viu Anita pela primeira vez, o contrário também aconteceu, quando a Dona Tila entrou na ERPI.

“Lembro-me perfeitamente do dia em que a Tila entrou aqui dentro. Eu já sabia de antemão que ela vinha para cá e, no dia em que chegou, deixei-a descansar, mas no dia a seguir fui logo para a beira dela”, recordou Anita.

Um rosto conhecido e uma mão amiga são meio caminho andado para nos sentirmos em casa, seja aqui ou no outro lado do mundo.

No caso de Tila, o facto de Anita estar na ERPI “foi um fator decisivo” quando, em conjunto com a família, decidiu mudar-se para a estrutura residencial.

Já Alice, uma das utentes mais antigas da ERPI, foi com alegria que viu as velhas amigas a virem para a sua beira. “Passamos muito tempo juntas, principalmente eu e a Tila. Recordamos muitas histórias do passado e até as contamos às outras pessoas”.

Sendo as três um exemplo de verdadeira amizade e de companheirismo, questionadas sobre o valor de um amigo, Tila não é parca em palavras e define a amizade como um bem “mais valioso” do que, por vezes, a família.

“Antigamente não havia televisões nem rádios e as pessoas arranjavam amigos que eram família. Há famílias verdadeiras que estão em cidades grandes que nem se conhecem, mas no nosso caso era muito diferente”, disse.

Por fim, Tila, com a sabedoria que lhe é característica, rematou a reflexão: “É bom ter amigos. Amigos valem mais do que o dinheiro”.

Já Anita, quanto às amizades atuais, considera que, hoje em dia, “os amigos não são tão unidos”.

Por outro lado, com o seu sentido social e falador, Alice valoriza as amizades, sejam elas atuais ou mais antigas. Para ela, o mais importante é sentir-se bem onde está e estar rodeada de pessoas com quem conversar.

“Eu sou amiga de toda a gente. Sempre fui assim e sempre gostei de falar com todos. Por isso é que me sinto bem aqui. Tenho muitas pessoas com quem conversar”, adiantou Alice.

Agora, à medida que os anos passam, os laços familiares que esta amizade uniu vão sendo fortificados. Apesar do apoio fundamental que a equipa da ERPI da Misericórdia de Bragança lhes dá diariamente, o ombro amigo que as três partilham nunca será substituído.

Voz das Misericórdias, Daniela Parente