Aos 93 anos, Manuel Jorge Barreira ainda não quer ficar parado. O transmontano da localidade de Oleiros, no concelho de Bragança, aceitou participar no novo projeto da Santa Casa da Misericórdia de Bragança que pretende levar às aldeias um envelhecimento ativo, de qualidade, mas também alguma vida, já que são muitos os idosos isolados.

Por isso, a cada duas semanas, Manuel vai até ao Centro de Convívio de Portela, onde se encontra com outros idosos e tem fisioterapia e acompanhamento psicológico. Os exercícios são ajustados às suas necessidades e para melhorar a mobilidade dos braços. Foi camionista e ajudou a criar sete netos e quatro bisnetos. A conversa com o VM, que seria sobre ginástica, rapidamente passou a uma troca de vivências e experiências. Porque mais do que melhorar a mobilidade daqueles que já têm alguma idade, o combate da solidão é o que leva os idosos a participar. “Gosto de estar aqui. Aqui passa o tempo sem se dar conta”, salientou.

Albertina da Conceição partilha a mesma opinião. Tem 85 anos e contou que aceitou participar no projeto porque gosta de “conviver com as pessoas”. “Passa-se um bocadinho do tempo e contente, melhor do que estar sozinha em casa”, vincou, acrescentado que passa “anos” sem ver algumas pessoas porque se “metem em casa” e nas aldeias já “não se vê ninguém”, muito menos “jovens”. “É mau estar nas aldeias isoladas”, lamentou.

E enquanto trocava dois dedos de conversa com o VM, foi fazendo exercícios de motricidade fina, nomeadamente um jogo com peças muito pequenas, para ajudar a resolver a pouca agilidade que já tem nas mãos.

Neste momento de implementação do projeto, já há quem se queixe que estas atividades deveriam acontecer mais vezes. De quinze em quinze dias é “pouco”, segundo Maria Afonso. A idosa de 69 anos admitiu que passa os dias “sozinha”, porque o marido sai para trabalhar e o filho já não mora com ela. Visto que tinha de ir abrir o centro de convívio para as sessões, decidiu também participar. “É bom para nós, porque nos diverte, puxamos pela nossa memória, que precisamos bastante, convivemos e só isso é muito bom”, disse enquanto fazia um puzzle.

“Há vantagens nestas ações de grupo, nomeadamente na interação e na quebra do isolamento social”, frisou a coordenadora do projeto, Sandra Bento. Além das sessões conjuntas, na aldeia de Portela, mas também em São Pedro de Sarracenos e ainda nas instalações da própria Misericórdia, o ‘Domus Vitae’ também promove “saúde física e mental de pessoas idosas no domicílio, com ações de fisioterapia e acompanhamento psicológico”.

Ana Maria Miranda é fisioterapeuta na Misericórdia de Bragança há 24 anos e acompanha os idosos que participam no projeto. Admite que é “muito enriquecedor”, porque vai “porta a porta” levar o seu trabalho, que é adaptado “a cada caso”, com exercícios “simples e eficazes”, como apertar os botões de uma camisa, que ajudam nas tarefas no dia a dia, mas também no “fortalecimento muscular, coordenação e equilíbrio”, prevenindo o “risco de quedas”.

Além do trabalho que é feito para desenvolver a capacidade motora, também é feita estimulação cognitiva. “Tentamos fazer com que eles desenvolvam capacidades que sabemos existirem, mas que não estão trabalhadas. A estimulação da memória é extremamente importante”, adiantou a psicóloga Marta Lima.

A par dessas ações, o ‘Domus Vitae’ também desempenha o papel de “ouvir”, trazendo “apoio” e “conforto” a estas pessoas mais isoladas. “Acabam por desabafar. Têm uma vontade enorme de contar o que passaram, o que viveram, muitas vezes tentamos estimular a questão cognitiva através dos acontecimentos mais recentes, porque temos pessoas com patologias e, através de acontecimentos mais recentes, vamos buscar quais as necessidades deles à data atual”, explicou a psicóloga, destacando que, por quererem minimizar a solidão e o isolamento, os idosos participam com facilidade neste tipo de projetos.

Para o provedor da Misericórdia de Bragança, o projeto “resulta da procura constante por parte da instituição em encontrar serviços e respostas inovadoras que contribuam para a melhoria da qualidade de vida dos utentes e enquadra-se na estratégia de modernização do serviço de apoio domiciliário”.

José Duarte Fernandes realçou ainda que a instituição “desempenha um papel crucial no combate ao isolamento social das pessoas no mundo rural, através de diversas iniciativas e serviços”. “Trabalhamos diariamente para a promoção dos pilares do envelhecimento ativo, não só dos nossos seniores, mas também todos aqueles que diretamente ou indiretamente pudermos ajudar”, concluiu.

O projeto ‘Domus Vitae’ envolve 40 idosos, utentes do apoio domiciliário desta instituição e também de outras, como Obra Social Padre Miguel, Fundação Betânia e Centro Social e Paroquial dos Santos Mártires, e ainda pessoas da comunidade. Entre mais de uma centena de candidaturas, a iniciativa foi uma das 15 selecionadas pela Fundação Calouste Gulbenkian, no âmbito do concurso ‘Home Care’. A iniciativa começou em fevereiro deste ano e vai decorrer até novembro.

Ângela Pais, Voz das Misericórdias