Pela primeira vez, na história da democracia, os idosos em lares ou residências seniores aderiram ao voto antecipado, por se encontrarem em isolamento profilático ou confinados há meses. As brigadas de recolha de voto, constituídas pelas autarquias, saíram à rua nos dias 19 e 20 de janeiro, para recolher os boletins de quase 13 mil pessoas, entre eleitores infetados, em isolamento ou utentes de lares, segundo dados do Ministério da Administração Interna (MAI). O VM foi conhecer os eleitores do Lar Granja Luís Rodrigues, em Costas de Cão (Caparica), Almada, a poucos dias de se decidir o novo Presidente da República Portuguesa.
Apesar das falhas apontadas à organização e dificuldades de inscrição na plataforma do MAI, a oportunidade de votar dentro de portas foi valorizada pela Misericórdia de Almada. “Os nossos idosos estão numa situação muito debilitada e dependente, muitos não estão em condições de manifestar a sua vontade. Mas para aqueles que estão bem e lúcidos é uma ótima iniciativa porque se sentem participantes na vida social e política e com os seus direitos em exercício. Já basta estarem confinados”, afirmou o provedor Joaquim Barbosa.
A mesa de voto foi improvisada numa ampla sala de reuniões, com a pompa adequada à solenidade do ato eleitoral e duas entradas independentes para aceder ao lar e exterior do edifício. Tudo pensado para garantir a segurança e contacto mínimo entre os intervenientes.
A equipa da autarquia chegou por volta das 15h30, com equipamento de proteção individual, boletins de voto e envelopes selados onde seguiram depois as escolhas individuais dos utentes. José Lança, fiscal municipal na Câmara Municipal de Almada, foi um dos elementos destacados para recolher os votos no domicílio e lares de idosos. “Queremos garantir que há o mínimo contacto com os utentes dos lares e, por isso, tudo o que possamos evitar é positivo. Entre cada visita mudamos equipamento completo, desinfetamos e voltamos a fardar”. Por essa razão, aguarda no pátio do edifício enquanto a equipa técnica recolhe os votos.
Os eleitores inscritos são 18, com idades entre os 56 e 94 anos. Aida Godinho, a segunda mais velha do grupo, com 91 anos, é a primeira a votar. Chega numa cadeira de rodas e afirma perentória: “Eu votei sempre”. Este ano lamenta apenas não poder votar na Trafaria, onde morou 58 anos, para reencontrar os amigos e vizinhos de longa data.
“Pode dobrar em quatro como nas urnas. O voto fica em dois envelopes selados e entregamos ao representante da câmara”, explica a diretora técnica do lar, para quem este método de recolha é muito “positivo, sobretudo para os que têm menos mobilidade”. “Sempre levámos os utentes às mesas de voto, desde que estando recenseados na zona e manifestando vontade. Mas, infelizmente, as escolas onde decorrem nem sempre têm a melhor acessibilidade, tornando-se moroso levar cada um deles à sua mesa”, conta Rita Santos.
Hoje, precisam apenas de percorrer um corredor, sem obstáculos. Por isso, a adesão é superior ao habitual. “Tínhamos 23 interessados, mas apenas foi possível inscrever 18 na plataforma”, devido a constrangimentos legais e locais de recenseamento fora do concelho. Os restantes, num universo de 110, já não têm condições físicas e mentais para exercer o seu direito de voto: 53 apresentam quadro demencial e 43 um grau de dependência elevado (dados de setembro de 2020).
Entre os 18 eleitores inscritos no Lar Granja Luís Rodrigues, encontramos um reflexo da nossa sociedade: defensores convictos de uma cor política, cidadãos que votam em rostos e perfis concretos e outros que não se reveem em nenhum candidato. Mas todos arriscam uma cruz no boletim em branco. “Sempre votei, acho que é um direito que devemos ter adquirido e praticar. É importante votar e saber o que queremos. Temos de lutar pela democracia”, comenta Maria Antónia Pereira, depois de colocar a sua escolha secreta no envelope.
Confinado desde março, Paulo Tavares, com 55 anos, elogia a recolha do voto antecipado que garante “o direito e dever cívico de todos aqueles que não podem sair para votar”. Anseia, contudo, o regresso ao exterior e a retoma da liberdade, que lhe permitirá ir à mesa de voto ou outro local em segurança. “Estamos todos ansiosos para que termine este confinamento”.
Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas