Filipe Almeida, presidente da Estrutura de Missão Portugal Inovação Social, conversou com o jornal ‘Voz das Misericórdias’ sobre os desafios e as oportunidades que esta área representa para as Misericórdias e setor social e considerou que estas entidades são “terreno fértil para soluções inovadoras com impacto social”.

Qual é o peso das Misericórdias e das instituições de economia social no total de projetos apoiados?

No contexto da Iniciativa Portugal Inovação Social (PIS) foram criados quatro instrumentos de financiamento. Excluindo o Fundo para a Inovação Social, que é um instrumento financeiro gerido pelo Banco Português do Fomento e dirigido a empresas, as Misericórdias representam cerca de 8% das entidades apoiadas, 6,5% das candidaturas aprovadas e 5% do volume total de financiamento. As entidades da economia social representam, em conjunto, cerca de 90% das entidades apoiadas, mobilizando cerca de 85% do financiamento aprovado.

Considera que as instituições de economia social estão na vanguarda da inovação? O que faz destas organizações um terreno fértil para projetos de inovação social?

A economia social (ES) é talvez o mais dinâmico dos setores em Portugal pela plasticidade das suas fronteiras e diversidade de agentes que inclui. É um setor que sempre se desenvolveu em torno da tentativa de responder a problemas da sociedade e é por isso natural que ali tenham sempre emergido e continuem a emergir soluções inovadoras com elevado impacto social. Por outro lado, a urgência da inovação social foi apropriada por organizações comprometidas com a mudança social e com o combate a desigualdades estruturais, desafiando a ES a modernizar-se, acrescentando novos métodos, provocando os limites, mobilizando novas gerações e criando o embrião de novas profissões. Por isso, embora a inovação social transcenda o setor da economia social, são indissociáveis as duas realidades. O Plano de Ação para a Economia Social, publicado pela Comissão Europeia, espelha essa relação, ao identificar a inovação social como um dos eixos de oportunidade para o desenvolvimento da ES na Europa.

Algumas Misericórdias destacaram como aspeto positivo a liberdade no desenho de soluções à medida de problemas concretos. Esse é um elemento diferenciador?

Não há inovação sem liberdade para criar, experimentar e errar. Portanto, dois pressupostos fundamentais da inovação são a originalidade e o risco. É no equilíbrio entre ambos que tentamos apoiar os projetos com maior potencial e somos mais exigentes a avaliar o risco do que a originalidade. As entidades têm ampla liberdade para propor soluções de inovação mais disruptiva ou mais incremental, consoante a visão que têm sobre como podem responder aos desafios sociais. É natural que as Misericórdias tendam a apresentar projetos mais incrementais, aproveitando o financiamento para experimentar novas metodologias ou serviços complementares a respostas sociais nas quais já são especialistas. Mas também há experiências mais disruptivas. Em todo o caso, o essencial é a liberdade para inovar.

Numa entrevista de 2019, reconheceu que a carga administrativa associada a projetos é desproporcionada em relação à capacidade das organizações. Essa realidade mantém-se?

Infelizmente, a exigência administrativa associada a processos com financiamento público e, em particular, da União Europeia, mantém-se, penalizando as organizações mais pequenas. Temos de manter um sentido crítico permanente, procurando as melhores soluções sem deixar de responder às exigências de conformidade jurídica, contratual e financeira. Há uma tentativa de simplificação processual, em termos de análise e da comunicação com as entidades. No financiamento do PT2030 vamos recorrer a metodologias simplificadas de modo a tornar estes processos mais simples e menos penosos.

Considera que este tipo de iniciativas e instrumentos ajuda a potenciar o trabalho em rede uma vez que estimula as ligações entre parceiros, investidores e organizações?

Sim, um dos desafios da ES é fortalecer as suas redes colaborativas que permitam disseminar boas práticas e melhorar a qualidade das respostas, alargar o impacto no território e dar visibilidade ao setor, assim como criar soluções com escala que favoreçam a partilha de recursos e o acesso conjunto a financiamento. O apoio da PIS promove essas parcerias, através da inclusão do ‘investidor social’ na equação, que em geral cofinancia e acompanha o projeto. Estes investidores podem ser de qualquer setor e dimensão, como empresas, fundações ou câmaras municipais, e são também beneficiados por uma evolução da sua visão sobre o potencial da inovação e do empreendedorismo social através do contacto com estas entidades. Idealmente, as candidaturas podem ser apresentadas em parceria, mas esses foram casos pontuais. Ainda falta percorrer algum caminho. Apesar disso, o melhor resultado da PIS é a mobilização institucional do país em torno da agenda da inovação social, potenciando redes de parceria intersectoriais e consolidando relações de confiança com efeitos transformadores de longo prazo em todos os setores.

Como é feita a medição do impacto dos projetos apoiados nas Misericórdias?

No campo da inovação social, a avaliação de impacto é um dos temas mais discutidos em todo o mundo, reconhecida como uma incontornável boa prática, não existindo ainda um consenso sobre a metodologia ideal. A universidade deve dar aqui um contributo. Por enquanto a PIS avalia o cumprimento das metas sociais e dos modelos de intervenção contratualizados, mas é necessário investir em metodologias que acompanhem o impacto desde o início, porventura com gestores de impacto dedicados e com métodos consistentes. Estamos a desenvolver um modelo próprio, especialmente ajustado à natureza, objetivos e escala desta iniciativa pública. E se no PT2020 era apenas uma sugestão, no PT2030 será uma obrigação os projetos efetuarem a medição, avaliação e gestão de impacto. Esta prática pode contribuir para melhorar a qualidade da intervenção, para atrair e reter talento e para mobilizar investidores e parceiros relevantes.

 

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas.