Mais de uma centena de idosos do concelho de Borba recebe diariamente cuidados de higiene, fisioterapia, refeições ou simples conversa graças ao apoio domiciliário da Misericórdia local. Para os utentes, esse apoio é vida partilhada

Na casa de Rosalina Canhão, em Borba, a manhã traz movimento. Num dia de sol, a porta está aberta e deixa a descoberto um longo e asseado corredor. Na primeira sala à direita, a utente aguarda a equipa da Santa Casa da Misericórdia de Borba. Aos 76 anos, com problemas de mobilidade, a antiga trabalhadora de um lagar de azeite já não consegue fazer tudo sozinha, mas mantém uma rotina cheia de vida.

“Vêm cá, gosto muito delas. Dão-me banho, arranjam-me toda e sentam-me aqui. Depois trazem o almoço, boa comidinha. Tenho ani mação e ginástica, tudo em casa”, conta, satisfeita, enquanto ajeita o elástico da terapia que já ladeia os joelhos.

Rosalina não perde o humor e, de sorriso aberto, confessa à nossa reportagem que os exercícios de reabilitação “dão uma volta tão grande que fico toda partida”, mas garante que fazem bem. E, depois, é necessário ter maior mobilidade para receber as amigas.

“Sou muito conhecida por Borba. Algumas também recebem apoio domiciliário e às vezes tenho a casa cheia. É uma festa aqui em casa”, acrescenta, olhando para a sala que se transforma, momentaneamente, num ginásio improvisado.

É que, neste dia, ao lado da utente está Sofia Baltazar, psicomotricista da Misericórdia de Borba. “Hoje vamos trabalhar a motricidade global, sobretudo pernas e equilíbrio. A Rosalina tem mais dificuldade nos exercícios em pé e aí precisa de mais ajuda”, explica, com voz firme, enquanto acompanha os movimentos, ajustando cuidadosamente cada posição.

E o apoio não é apenas físico. “Nós acabamos por ser um elo importante na socialização deles. Somos companhia, somos quem ouve e quem ajuda quando algo não corre bem. Criam-se laços de amizade que fazem parte da recuperação”, sublinha Sofia, com um olhar atento que combina cuidado e cumplicidade. O serviço de apoio domiciliário (SAD) da Santa Casa de Borba começou há mais de 20 anos com os serviços básicos: alimentação, higiene pessoal, tratamento da roupa e limpeza da casa. Mas depressa se percebeu que não chegava. “Os utentes estavam muito tempo sozinhos. Muitas vezes éramos as únicas pessoas que viam durante o dia. Por isso, fomos alargando o serviço”, explica Amélia Ferreira, responsável pelo SAD.

Hoje, os cerca de 130 utentes beneficiam não só dos cuidados essenciais, mas também de fisioterapia, animação, medicação, acompanhamento a consultas, cabeleireiro, piscina, universidade sénior e até serviços estéticos. Tudo pensado ao detalhe.

“Por exemplo, se o utente não gostar de feijão, substituímos por outra coisa. Se não tiver dentes, adaptamos a refeição. É tudo personalizado, porque cada pessoa é única”, acrescenta, orgulhosa do trabalho que as equipas, que administra, desenvolvem.

Gerir esta rede exige organização diária e muitas vezes criatividade. “É uma luta todos os dias, mas gratificante. Há dias em que digo a brincar: o que é que vai acontecer hoje? Porque nunca é igual. É preciso boa articulação entre as equipas e respeito pelos hábitos de cada um. Estamos a entrar na casa das pessoas, não podemos impor rotinas”, refere Amélia, enquanto revisa mentalmente o percurso das colaboradoras.

Entre as maiores dificuldades está a falta de pessoal qualificado. “Trabalhamos já com equipas multiculturais, mas nem sempre é fácil alinhar hábitos e formas de trabalhar. E não podemos esquecer que há pessoas dependentes que precisam de vários apoios por dia. É um esforço constante”, desabafa.

Apesar dos desafios, o importante é mesmo o bem-estar dos utentes e Amélia Ferreira assegura que os utentes estão muito satisfeitos. “Às vezes até se sentem cansados, porque mandamos lá tanta gente a casa que eles chegam a um ponto e dizem para não irmos no dia seguinte. Mas nós vamos na mesma”, refere, sorrindo.

Uma aldeia no coração do Alentejo

No concelho de Borba, apenas a Misericórdia assegura este tipo de resposta, abrangendo todas as freguesias do concelho. Mas o SAD integra um projeto mais vasto, a que a instituição chamou Aldeia Social – um espaço único, onde coexistem três lares, creche e jardim de infância, universidade sénior, centro comunitário, oficinas, lavandaria, piscina, fisioterapia e até uma capela.

Manter tudo a funcionar não é tarefa simples. “O maior desafio é a mão de obra. Somos 170 colaboradores e precisamos de garantir presença todos os dias, 365 dias por ano. Nem sempre é fácil recrutar. Cada vez mais recorremos a trabalhadores estrangeiros”, admite Ana Batista.

Ainda assim, a instituição não baixa a fasquia. “A nossa premissa é não ficar pelo mínimo exigido. Queremos proporcionar envelhecimento ativo. A piscina, a fisioterapia ou a animação não são obrigatórios, mas fazem parte da nossa visão de dar mais do que o básico.”

Para utentes como Rosalina, o serviço é muito mais do que apoio logístico. “É como ter família a entrar pela porta todos os dias”, diz, alegre, já depois dos vários exercícios e na despedida da equipa que não tardará a regressar.

Voz das Misericórdias, Rosário Silva