A sustentabilidade, o envelhecimento da população e a fragilidade dos lares são atualmente problemas concretos das Misericórdias com os quais todos os provedores se debatem. Esta foi a mensagem que o presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), Manuel de Lemos, quis deixar no encerramento do ciclo de conferências da Misericórdia de Faro, no passado dia 19 de novembro.
Perante uma sala cheia, onde não faltaram órgãos sociais, irmãos e funcionários da Misericórdia de Faro, provedores, autarcas e outras entidades oficiais, Manuel de Lemos foi o orador convidado para falar sobre as Misericórdias na atualidade, reforçando a ideia de que o futuro dessas instituições passa por uma união entre estas instituições e o Estado.
“Temos uma responsabilidade cívica de nos colocarmos em cooperação com o Estado. Temos de cuidar das pessoas. Não podemos ficar indiferentes ao sofrimento dos outros”, afirmou. Ao longo das suas explanações Manuel de Lemos frisou a importância do apoio domiciliário numa altura em que a grande maioria das instituições se debate com as fragilidades dos lares, muitos deles degradados não só do ponto de vista arquitetónico, mas também do ponto de vista dos recursos humanos.
“A fragilidade dos lares tem sido uma enorme preocupação e um enorme desafio para nós e para o Estado português e é um problema sério para os próximos anos. O grande esforço e o grande desafio para as Misericórdias, em cooperação com o Estado, será o serviço de apoio domiciliário”.
O presidente da UMP lembrou que Portugal é o país da Europa com maior taxa de envelhecimento e deixou o alerta: “não podemos transformar o país num imenso lar”.
“Portugal tem um problema grave com a questão do envelhecimento e por isso a nossa maior preocupação, a par da sustentabilidade, é encontrar respostas de forma a termos as pessoas o mais tempo possível em casa, com qualidade e segurança”, referiu.
Neste campo o Estado e as autarquias têm um papel importante a desempenhar, como também lembrou ao VM Candeias Neto, provedor da Misericórdia de Faro. “Tem de haver um casamento entre a saúde, a segurança social e as Misericórdias. E as câmaras têm também um papel importante por causa das habitações, porque muitas não têm condições condignas para se cuidar bem das pessoas”.
Perante todos os desafios que as Misericórdias enfrentam urge saber qual o seu futuro? Manuel de Lemos não hesita em afirmar: “resiliência, união e visão estratégica”.
Mas antes de falar sobre a atualidade e o futuro das Santas Casas, o presidente da UMP deu conta aos presentes da história dessas instituições que já existem há mais de cinco séculos.
Segundo Manuel de Lemos, existem perto de 4200 Misericórdias em todo o mundo. Só em Portugal são 388. Mas como nos lembra o presidente da UMP “já foram muitas mais”. Tendo sido um pilar “importantíssimo” da diáspora, as Misericórdias eram criadas pelos portugueses, juntamente com uma igreja matriz e um forte, “representando, respetivamente, a comunidade, a igreja e o exército”.
Para exemplificar a importância que os portugueses tiveram na expansão das Misericórdias, Manuel de Lemos recordou um provérbio do século XVII, que dizia: “um português um padrão, dois portugueses um abraço e três portugueses uma Misericórdia”. Mas tudo muda com o 25 de Abril, altura em que as Santas Casas sofreram um abalo forte. ?
Foi nessa altura que, de acordo com o presidente da União das Misericórdias, teve um papel importante o padre Virgílio Lopes, fundador da UMP, que deu um rumo decisivo às Misericórdias. Mas, como explicou, “a grande mudança surge com o pacto de cooperação para a solidariedade”. É nesta altura que aparece o padre Vítor Melícias que “deu uma identidade e explicou às Misericórdias a sua natureza, à medida em que, paralelamente, começaram a aparecer outras instituições sociais”.
Tudo isto representou uma “mudança muito grande na vida das Misericórdias porque começaram a crescer e a atuar como agentes de desenvolvimento local”.
Sobre a atualidade da UMP, coube a Carlos Andrade, presidente da Assembleia Geral da Santa Casa de Faro, falar sobre o percurso de Manuel de Lemos à frente dos destinos das Misericórdias. Com o atual presidente, afirmou, as Santas Casas “ganharam corpo, conteúdo e massa crítica”.
Ainda na opinião de Carlos Andrade, as Misericórdias têm feito um percurso meritório. Não se acanharam ainda que as dificuldades lhes batessem à porta. ?Sobretudo porque durante anos sucessivos o Estado foi degradando o valor da comparticipação que lhe compete e esta é uma realidade que a Santa Casa de Faro conhece bem. Prestes a inaugurar um novo lar, Candeias Neto sublinhou que para a sua construção “foi necessário recorrer ao Fundo Rainha Dona Leonor porque o Estado não comparticipou com nada”. O novo equipamento tem capacidade para 40 pessoas e é, nas palavras do provedor, “um autêntico hotel”.
Esta conferência encerrou as comemorações dos 500 anos da Misericórdia de Faro, segundo o provedor, “com chave de ouro”. E até houve tempo para se ouvir cantar o fado pela voz da fadista Raquel Peters da Associação de Fados do Algarve.
Voz das Misericórdias, Nélia Sousa