A vida deste homem ou desta mulher dava um livro. Da presciência à realidade, há vidas que, de facto, gozam do dom de ser transformadas em obras literárias. Foi o caso de Horácio Carvalho Pereira, cuja ação, primeiro na qualidade de tesoureiro, em 1983, e posteriormente enquanto provedor da Santa Casa da Misericórdia de Grândola, de 1986 à atualidade, resultou não só num livro, como ainda ganhou o direito a ser eternizado numa pintura a óleo, da autoria de Clarisse Rodrigues Silva.

‘Horácio Carvalho Pereira: O Provedor’, escrito por Germesindo Silva e editado pela Chiado Books, foi apresentado durante a celebração dos 456 anos da Misericórdia de Grândola, fundada a 23 de junho de 1568.

A efeméride decorrida no auditório do Centro de Convívio Irene Aleixo homenageou ainda 11 colaboradoras da Misericórdia com mais de 25 anos de serviço e serviu para inaugurar a galeria dos provedores, dando vida nova às paredes brancas da premiada obra arquitetónica de Aires Mateus.

“A vida e obra não cabem nos estreitos limites desta edição”, assumiu ao VM Germesindo Silva, autor do livro, que “de forma sintética” em 164 páginas, algumas delas pinceladas por fotografias, elencou factos marcantes do percurso de Horácio Pereira. “Centrado na pessoa do provedor, (o livro) está dividido em duas partes, na vida e na obra, daquilo que foi feito e faço uma contextualização histórica, política, social e económica de Grândola e do país”, destacou o investigador grandolense.

“A grande obra do provedor é, na realidade, o conjunto”, disse o historiador do concelho e da Misericórdia local, confessando uma coincidência nos trajetos de vida. “Tive a sorte de encontrar o documento fundador da Misericórdia no arquivo municipal de Grândola, no início do mandato do provedor e na altura em que colocou fim aos conflitos políticos e aprovou um documento do regresso às 14 obras de misericórdia”, contou.

“A minha história de vida é muito, muito grande, porque já tenho 80 anos, mas se isto fosse quantificado, se calhar dariam para aí 200 anos porque a história de vida não cabe nisto, são 365 dias e 24 anos sem parar”, sintetizou Horácio Pereira. “Nada paga e nada é igual a, em determinada altura da nossa vida, acharmos que somos as únicas pessoas a ter poder para ajudar quem vive numa situação de degradação, de abandono, pessoas que conhecemos de perto, sem poder de reivindicação e, dessa situação de fragilidade, conseguir pô-las a viver com os maiores cuidados. É a maior satisfação e a maior obra das Misericórdias”, salientou o provedor homenageado.

Vivida metade de uma vida no universo da Santa Casa e honrado pelos testemunhos públicos vindos do vice-provedor, Vítor Rocha, e de António Bernardino, presidente da Mesa da Assembleia Geral, Horácio Pereira veste-se de humildade. “Há sempre coisas para fazer e nunca se faz tudo”, adiantou, recordando que espera deixar mais um marco no vasto legado: “Temos um projeto aprovado, o alargamento da unidade existente com mais 80 camas, e queria ver se conseguia pô-lo em andamento”, anunciou.

Ao reconhecimento nacional reclamado por José da Silva Peneda, presidente da Assembleia Geral da UMP, e Manuel de Lemos, presidente do Secretariado Nacional da UMP, Horácio Pereira coloca o altruísmo em cima da capa da humildade. “Nunca fiz nada para ter condecorações, embora já tenha recebido muitas. Tudo isto é da responsabilidade dos meus colegas de Mesa”, finalizou.

 

HOMENAGEM ÀS PEDRAS PRECIOSAS

Maria Antónia Espada, 42 anos de serviço e uma das homenageadas nos 456 anos da Misericórdia de Grândola “é uma das pedras preciosas das Misericórdias”, elogiou Manuel de Lemos. “Sou hoje o que sou graças ao provedor. Comecei como costureira, estudei quando já aqui trabalhava e cheguei a diretora técnica”, disse Maria Antónia Espada, que aproveitou a curta declaração ao VM para enaltecer a “gestão e visão de um grande homem e um sonhador que faz obra”, sintetizou.

 

Voz das Misericórdias, Miguel Morgado