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- Covid-19 | Homenagem a todos aqueles que não podem ficar em casa
Desconstruir equipas, refazer horários e desdobrar escalas é o novo dia-a-dia das Misericórdias que reinventam, mais uma vez, a sua ação para responder aos desafios do presente: escassez de recursos (físicos e humanos), encerramento obrigatório de respostas sociais e aumento das necessidades da população, mais vulnerável e isolada nestes dias que correm.
Na semana em que se declara estado de emergência, para todo o país, os dirigentes estão atentos ao esforço das equipas e prestam a sua homenagem a todos aqueles que não podem ficar em casa resguardados. Em Almada, o provedor Joaquim Barbosa lembra todos os que “vão aguentar as coisas, com coragem, nos próximos tempos”, enquanto em Condeixa-a-Nova o provedor Manuel Branquinho lembra que, apesar das incertezas, a união prevalece a favor da defesa dos utentes e profissionais: “sem o vosso trabalho, dedicação e carinho, esta luta jamais será vencida. Que não vos falte a coragem, para responder a tão difícil trabalho”.
Estas “heroínas”, como lhes chamam, são mulheres, na maior parte dos casos, que abdicam de tempos de descanso e contactos no exterior para salvaguardar os idosos ao seu cuidado. O VM foi ao seu ‘encontro’, com as devidas precauções e distância de segurança (mais de 200 quilómetros nalguns casos), e registou o testemunho de Elisabete, Miquelina, Celina, Helena e Mariana, em nome das colegas, que partilham as mesmas responsabilidades e preocupações. Os provedores e mesários confiam na sua experiência e profissionalismo, coordenando a gestão dos equipamentos à distância, nos casos em que a idade avançada (mais de 70, em duas Misericórdias com quem falamos) obriga a reclusão e isolamento social.
Em várias localidades, as rotinas mudaram drasticamente e os profissionais aprendem novas funções em poucos dias. A equipa de infância da Misericórdia de Oleiros está a trabalhar com as colegas da ERPI e SAD, desde 15 de março, e a diretora técnica, Miquelina Graça, diz que a adaptação está a correr bem, apesar das saudades das crianças. “Temos muitas saudades deles e a maior tristeza é não saber quando voltamos à normalidade, mas sei que é pelo bem de todos. Trabalho aqui há 27 anos, já não sei viver sem isto, é a minha família, a minha casa”.
Nídia Garcia, auxiliar de saúde na Misericórdia de Fronteira há 30 anos, conta que neste momento não há categorias profissionais definidas para responder à escassez de recursos. “Algumas funcionárias com filhos menores foram para casa e nós estamos a assegurar tudo. Somos todas iguais. Temos as nossas famílias e preocupações, mas trabalhamos com uma faixa etária que está em risco. Temos de ser muito responsáveis, vamos daqui diretas para casa”.
Todo o cuidado é pouco quando se lida diariamente com utentes com mais de 80 anos e patologias variadas. Por isso, a primeira coisa que Elisabete Linharelhos, ajudante de ação direta na Misericórdia de Condeixa-a-Nova, faz quando chega a casa é despir a roupa e tomar um banho. E já não volta a sair. “Nós não estávamos preparadas para isto, mas temos de reagir e evitar contactos com o exterior. A nossa preocupação é que nada chegue aos utentes”.
Apesar das novas medidas, que podem ser alvo de alteração a qualquer momento, as equipas no terreno garantem que estão a cumprir as rotinas habituais para manter a serenidade dos idosos e distrair a cabeça das notícias que entram pela televisão da sala. Isto significa que celebram aniversários de utentes, com as famílias em direto nas câmaras dos telemóveis, fazem jogos, comemoram o Dia do Pai, a chegada da primavera e, mais importante que tudo, comunicam com os familiares que estão também em quarentena noutros pontos do país.
“O nosso lar já tinha uma forma de funcionar muito próxima das famílias, por isso continuamos a potenciar este contacto, através das tecnologias para minimizar o isolamento, comunicar em tempo real e motivar a união com a comunidade”, explica a diretora técnica das respostas sociais de terceira idade da Misericórdia de Vale de Besteiros, Celina Rodrigues.
Em circunstâncias adversas, de poucos recursos e muitas necessidades, a motivação das equipas é um desafio acrescido. Mas, mais uma vez, Jorge Gaspar, provedor do Fundão, acredita que as instituições demonstram a sua “capacidade de se reinventar e aguentam este enorme esforço com um espírito de abnegação muito grande”. Numa das aldeias que apoiam, nas Minas da Panasqueira, a diretora técnica Helena Brito conta que o apoio aos idosos é assegurado por uma equipa de funcionárias que, apesar de ter filhos com menos de 12 anos em casa, ajusta os horários em função das necessidades dos utentes e da retaguarda familiar.
Neste tempo de incerteza, em que uma parte das equipas se encontra a trabalhar em casa ou à distância, Adriando Fernandes, diretor de inovação da Misericórdia da Amadora, considera “fundamental encontrarmos formas que facilitem o desenvolvimento da nossa missão, reinventando-nos, permanecendo perto uns dos outros (mesmo que virtualmente) por forma a encontrarmos novas estratégias colaborativas”. No caso da Amadora, as equipas de SAD, ERPI e outras áreas continuam em diálogo permanente através da plataforma Zoom.
Enquanto a tempestade não passa, a Misericórdia é a casa segura onde, os que podem, se refugiam e se reinventam em função das necessidades. Para Mariana Paiva, assistente social em funções na Misericórdia do Crato há 40 anos, as obras de misericórdia são mais atuais do que nunca, hoje e sempre, por “tempo indeterminado”. “Não podemos parar porque temos 25 utentes muito debilitados em casa, que têm as famílias longe e precisam muito de nós. Temos de nos unir e desdobrar desde manhã à noite, para levar o leite quentinho, dar banho e lavar as roupas. Nestes meios pequenos, ainda trabalhamos como família. Esta é a minha casa”.
Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas.
*Fotografia: Misericórdia de Oleiros