Em todo o território nacional, as Misericórdias e outros agentes locais procuram novas respostas para problemas sociais cada vez mais complexos, através de instrumentos de financiamento públicos e privados que fomentam a inovação e investimento social. O programa Portugal Inovação Social é um dos instrumentos públicos disponíveis e assume-se como uma experiência pioneira na Europa por ser a primeira entidade dedicada a investimento de impacto. Desde 2015, já apoiou 466 entidades e 681 projetos (36 Misericórdias com 44 projetos) e vai ter continuidade no âmbito do Portugal 2030.

O desenho e execução destes projetos é feito a partir de diagnósticos da comunidade e objetivos bem definidos: combater o isolamento dos idosos, promover a integração de migrantes, desempregados e pessoas em situação de sem-abrigo, capacitar crianças e adultos, retardar o declínio cognitivo de pessoas com demência, apoiar pessoas em situação de luto e dar qualidade de vida em contextos de fragilidade e doença. Projetos tão diversos quanto originais na forma como respondem às necessidades das comunidades em que se inserem.

No caso das Misericórdias, as soluções são sobretudo de natureza “incremental”, e não tanto “disruptiva”, como avaliou o presidente da Estrutura de Missão do Portugal Inovação Social (EMPIS), em entrevista ao VM (ver página 20), comentando a forma como as instituições aproveitam “esta oportunidade de financiamento para experimentar novas metodologias ou serviços complementares a respostas sociais nas quais já são especialistas”.

No decorrer do processo, as Misericórdias que partilharam a sua experiência com o VM destacam a liberdade, no desenho de soluções, que não encontram noutros instrumentos de financiamento. “Contrariamente a outros projetos, a nível nacional e europeu, que limitam a autonomia e criatividade, aqui confiam nas instituições e permitem que, em parceria, se pense em respostas concretas para necessidades concretas. Esta é a grande diferença e riqueza do projeto, deixam-nos pensar o projeto de raiz, sem regras delimitadoras”, partilhou a coordenadora geral da Misericórdia de Vagos, Sónia Ribeiro, com base na experiência com os projetos ‘Memorizar’ (2019-2022) e ‘Envolver’ (2022-2023), destinados a cuidadores e pessoas com demência e a migrantes oriundos da Venezuela e Ucrânia, respetivamente.

Comum aos dois projetos foi o seu ponto de partida: resultaram de uma necessidade apontada pela comunidade e foram concretizados através de parcerias locais, sempre com o propósito de assegurar a sua continuidade no tempo. O primeiro, com financiamento tripartido – Santa Casa, município e beneficiários, com uma contribuição simbólica – e o segundo através da criação de uma associação de migrantes que deu seguimento ao trabalho iniciado. “Temos de ser parceiros reais no terreno”, admitiu a técnica da Santa Casa de Vagos.

Fortalecer as redes colaborativas é um dos objetivos do Portugal Inovação Social quando introduz a figura do “investidor social na equação”, diz-nos Filipe Almeida, na entrevista por email. Estes investidores podem ser de diferentes setores (empresas, fundações, câmaras municipais, etc.) e são envolvidos na própria execução do projeto, beneficiando deste contacto próximo, na visão que têm da inovação, empreendedorismo e potencial destas organizações.

Esta possibilidade de experimentação no território permite “estimular a criatividade dos técnicos e testar soluções no local”, conforme nos relatou Rodrigo Soares, da equipa do projeto ‘100 Memórias e Estórias’, iniciado em 2022 pela Misericórdia de Alcanede para combater o isolamento e desenvolver experiências turísticas e culturais, através da recolha de património material e imaterial de oito aldeias nas freguesias de Alcanede, Fráguas e Gançaria.

Para ser considerada inovadora, uma iniciativa deve constituir-se como uma “solução distinta para um problema da sociedade, com impacto positivo comprovado e superior às soluções existentes, tendo em conta o curso de oportunidade dos recursos utilizados”, lê-se no relatório da Agenda para o Impacto 2030, elaborada pelo Conselho Consultivo do Centro Nacional de Competências para a Inovação Social (CCCNCIS), que a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) integra. Além disso, deve ser “simples na conceção, replicável para outros contextos e assente em recursos baratos e abundantes ou então em recursos e modelos de negócio altamente escaláveis”.

No caso de Alcanede, foi possível criar ou recuperar redes de vizinhança que se tinham perdido, reabilitar espaços públicos (lavadouros, fontes, etc.) que retomaram a sua função de ponto de encontro e registar tradições e costumes das oito aldeias envolvidas, num território rural marcado pela dispersão geográfica e isolamento social. Pelo meio, outras valias foram alcançadas junto dos 130 beneficiários (idosos, desempregados e jovens que não trabalham ou estudam), conforme avaliação do Instituto Politécnico de Santarém.

AVALIAÇÃO E CAPACITAÇÃO DAS EQUIPAS

A medição do impacto das soluções no terreno é feita mediante o “cumprimento das metas sociais e dos modelos de intervenção contratualizados”, mas está previsto, no futuro, investir em metodologias que acompanhem o impacto desde o início, detalha o presidente da EMPIS.

O facto de serem intervenções com um “período de execução maior” pode ser decisivo quando se trata de determinar a continuidade e “demonstrar a necessidade e mais-valia às entidades parceiras”, adiantou a técnica responsável pela implementação de dois projetos na Misericórdia da Redinha, ‘Proximidade’ (capacitação e inclusão de idosos) e ‘LUISA – Unidade de Intervenção e Apoio no Luto’ (doença oncológica, processo de luto e trauma).

Segundo Andreia Dias, a própria Estrutura de Missão do Portugal Inovação Social dispõe de representantes regionais que apoiam as equipas e “desafiam a trabalhar a sustentabilidade do projeto no futuro, ensinando e despertando para a necessidade de medir o resultado da intervenção”. Nesta localidade do distrito de Leiria, um dos projetos teve seguimento (LUISA), mantendo o financiamento de algumas entidades parceiras (autarquia), reajustando a equipa e a forma de acesso aos serviços (pagamento simbólico) para minimizar custos.

A promoção do ecossistema de inovação social passa também pela capacitação das equipas e organizações, que na sua maioria têm dificuldade em captar e reter recursos humanos qualificados. Por isso, em muitos casos, a implementação de projetos desta natureza obriga à contratação de externos para apoiar em diferentes fases, como relatou ao VM a provedora de Alcanede, Wanda Mendo: “Estes processos de candidatura, para terem sucesso e serem promovidos por instituições de menor dimensão e sem serviços dedicados exclusivamente a projetos sociais, exigem assessoria económica externa ao nível da conceção da candidatura, acompanhamento do projeto e fase de implementação, conclusão e avaliação”.

As sementes estão lançadas e o sucesso depende de todos os agentes no terreno, num processo de cocriação, aprendizagem e responsabilidade partilhadas, onde a liberdade, criatividade e experimentação orientam a resposta a necessidades concretas da sociedade.

Os primeiros avisos do Portugal 2030, para a inovação social, foram anunciados a 21 de setembro e abrem brevemente.

 

Voz das MisericórdiasAna Cargaleiro de Freitas