Leiria. "A música alegra a alma. Enquanto se canta, não se pensa em doenças nem nas dificuldades". Quem o diz é Manuela Oliveira, de 73 anos, uma das vozes que compõem o coro da Misericórdia de Leiria, formado por cerca de 20 utentes do Lar de Nossa Senhora da Encarnação.
Já sentada na 'sala da lareira', Manuela vai cantarolando para "afinar" a voz para mais um ensaio, ministrado, como sempre, por Rosa Pires, do grupo de voluntários da instituição, que, há cerca de um ano e meio, foi desafiada pela administração da Misericórdia a dar corpo ao coro. "Anuímos de imediato e, a cada dia que passa, constatamos as mais-valias do projeto", diz a maestrina do ‘Alvorada da Alegria’, nome que os utentes escolheram para o coro.
"Alegria é o que mais sentimos enquanto cantamos", justifica Joaquina Santos, de 89 anos, que gosta particularmente de música litúrgica, aquela que conhece "melhor". Já Manuela Oliveira garante não ter preferências. "Canto tudo. Sempre gostei de música. Era a minha companhia no dia a dia. O ditado é velho: 'Quem canta, seus males espanta'. Não pensamos noutras coisas", reforça.
Conscientes das fragilidades de alguns dos utentes, os responsáveis pelo coro focam-se mais nas capacidades e adaptam as tarefas a cada coralista. “Não obstante as suas limitações, os idosos não são descartáveis, mas são valores”, assinala Rosa Pires, que acredita que esta é uma forma de os utentes se sentirem valorizados e úteis, fortalecendo a sua autoestima. Isso, diz, é visível na satisfação e na alegria que transmitem ao cantar, seja na animação musical das missas, celebradas na capela do lar às quartas-feiras, domingos e dias santos, seja em momentos de convívio ou épocas festivas.
"É gratificante vê-los bem-dispostos e de rosto alegre, com a música no coração e a melodia nos lábios", confessa a voluntária, explicando que os momentos de ensaio servem também para recordar vivências, com a música a ser, muitas vezes, ponto de partida para outras conversas. Fala-se, por exemplo, de tradições, das vivências do dia ou até da vida que tiveram.
A esse propósito Manuela Oliveira recorda o tempo em que trabalhava como mulher a dias, "sempre a cantar", e uma das senhoras lhe ofereceu um rádio que passou a levar para outras casas. "A música está no meu ADN", diz, entre risos, contando que também toca órgão. "Aprendi sozinha. Não sei ler partituras, mas toco de ouvido", refere, enquanto vai passado em revista o dossiê com o reportório do coro, ajustado às preferências dos utentes e onde constam várias músicas do cancioneiro tradicional português. "São cantigas que lhes trazem à memória tempos felizes, das desfolhadas ou até do trabalho no campo, acompanhado por cantorias", nota Rosa Pires, que acredita que a música é "uma boa terapia", ajudando a saúde mental e até física.
A sua convicção é que o tempo passado no coro contribui para "afastar a tristeza das perdas e das limitações que os anos trazem" e, de certa maneira, "acende esperança". Mas, frisa, que os benefícios não são apenas para os utentes. Também os voluntários são enriquecidos com esta experiência. "Recebemos mais do que damos", afiança a maestrina, salientando o apoio dado ao projeto pelo capelão da Misericórdia de Leiria, o padre Augusto Gonçalves, e pelos responsáveis da instituição, que "acarinharam a ideia desde o início" e têm dado "o maior incentivo".
"Todos nos sentimos felizes vendo a alegria e satisfação daqueles idosos que, desta forma, se sentem valorizados e úteis a toda a comunidade. Manifestam isso na paciência, persistência e dedicação ao coro", assinala o capelão, responsável pela assistência religiosa na instituição. O sacerdote enaltece ainda o "precioso trabalho" dos voluntários. "Com o seu habitual sorriso e boa disposição manifestam, no dizer de um deles, que 'Deus pede só o que Lhe podemos dar. Se fizermos render esse pequeno talento damos-Lhe graças."