O nome da freguesia serviu de inspiração para batizar o ‘Manhãs com Louro & Sal’, o programa radiofónico que, uma vez por mês, vem dar um pouco mais de sabor à vida dos utentes no lar da Misericórdia do Louriçal, servindo também para temperar a relação entre os idosos e os seus familiares, num tempo marcado ainda pelas restrições aos contactos.
Sexta-feira, dia 9 de abril. Minutos antes das 10 horas, a sala de visitas da instituição começa a ser transformada num estúdio de rádio improvisado. Trazem-se mesas e cadeiras, à volta das quais os comentadores de serviço vão tomando os seus lugares.
Distribuem-se os auscultadores e microfones. “Isto é para cantar?”, questiona Daniel Augusto, o único homem do grupo que faz a estreia no programa. A pergunta sai em tom de brincadeira, porque os microfones são “a fingir, para dar um ar mais realista e radialista”, refere Rita Leitão, animadora sociocultural que tem aqui a oportunidade de pôr em prática algum do conhecimento e da experiência que adquiriu quando trabalhou numa rádio local.
É Rita quem assume a apresentação do programa e que, juntamente com a psicóloga Sara Vieira, vai fazendo a moderação do debate, todos os meses subordinado a um tema diferente. Já se falou de amor e de namoro e do papel da mulher na sociedade. Neste programa debater-se-á a(s) liberdade(s), a propósito do 25 de abril, mas também do contexto atual, marcado por uma pandemia que, há mais de um ano, tem condicionado a vida de todos, nomeadamente dos mais idosos, muitos dos quais a viverem confinados às paredes das instituições.
Feitos os testes de som e de vídeo, Rita Leitão dá a palavra ordem: “Estão prontos? Então, está a gravar”. Entra o genérico e, logo de seguida, a locutora dá as boas-vindas aos convidados, agradece ao patrocinador imaginário – as Bengalas Maltrapilho – e apresenta as previsões meteorológicas e informações de trânsito.
A emissão segue depois com Sara Vieira, que passa em revista algumas das notícias que marcaram os últimos dias na instituição, onde os utentes estiveram envolvidos na elaboração de desenhos a partir de imagens de azulejos tradicionais. “Resultado surpreendente”, comenta a ‘jornalista’ de serviço, anunciando ainda que a instituição foi convidada pela Biblioteca Municipal de Pombal para participar no projeto “A saquinha de flor”.
Ainda antes do debate propriamente dito, é tempo de lançar uma das rubricas do programa: Corpos Sãos, dedicada ao fitness e orientada pela fisioterapeuta Diana Francisco, a quem cabe também a tarefa de ir filmando as gravações do programa.
Chegou a hora da conversa, como lhe chama Sara Vieira, que lança a pergunta inicial do debate: O que significa liberdade? A primeira a entrar na discussão é Emília Silva. Ainda um pouco reservada, diz que liberdade “é fazer o que pensamos e o que gostamos”. Ao lado, Maria José Leal concorda, acrescentando, contudo, que “nem sempre é assim” porque “há regras a cumprir”, como aquelas a que têm estado sujeitos no último ano. “Agora, nem liberdade tenho para ir à rua”, diz, entre a tristeza e o conformismo.
“Nunca se faz apenas o que se quer”, reforça Daniel Augusto, um comentário que acaba por fazer os convidados recuar ao tempo da sua juventude e vida ativa, vividas em liberdade condicionada, como se percebe pelos testemunhos que vão desfiando. Fala-se das limitações impostas pelos pais num tempo de educação mais austera - “nunca me deixavam sair”, assume Augusta Monteiro –, mas também por uma vida de muito trabalho, não deixava disponibilidade para se fazer o que se gostava. “Não havia tempo. Era trabalhar de sol a sol”, diz Maria Fernandes.
A conversa ruma, depois, à atualidade, com Sara Vieira a encaminhar o debate para as restrições impostas pelo Governo devido à pandemia, com os sucessivos estados de emergência. “Se o mal é assim e se espalha como temos visto, acho muito bem. O Governo tem esse direito. Só queria é que algum dia isto tivesse fim”, defende Augusta Monteiro, que acaba por se emocionar ao referir o “choque” pela privação de visitas.
“[As restrições] são para nosso bem. Se tivéssemos a liberdade que todos queriam, teria morrido ainda mais gente”, acrescenta Maria José, que, antes da pandemia, saia com regularidade da instituição para ir a casa dos sobrinhos.
Emília Silva reconhece que o confinamento tem sido “uma tristeza para toda a gente”, mas também concorda com as medidas impostas. Diz até que, em alguns momentos, deveriam ter surgido mais cedo.
“Mas por que é não podemos ir a casa de vez em quando? O que mais queria era ver os meus netos, que são o que o mais amo na vida”, desabafa Silvina Dias, sendo secundada neste pensamento por Maria Fernandes, que se queixa da decisão de fecharem as “cancelas” entre concelhos, impedindo os filhos que moram noutros municípios de a visitar.
Na opinião de Maria Fernandes, “governo nenhum devia ter o direito de impedir os filhos de ver os pais” e vice-versa. “É para o nosso bem e pela nossa saúde. Se não tivesse sido assim, ainda estaríamos muito pior”, contrapõe Maria José que esteve um ano confinada ao seu quarto, porque faz hemodiálise. “Ia aos tratamentos e voltava para aquelas quatro paredes. Estava presa. Mas tinha de ser assim”, diz, conformada, reconhecendo a dificuldade de quem tem de decidir, “porque uns querem uma coisa, outros querem outra”.
O debate aproxima-se do fim, mas ainda há tempo para reviver o período em que a instituição enfrentou um surto de Covid-19, que obrigou os utentes a ficarem com a liberdade ainda mais restringida, fechados durante 20 dias nos seus quartos. “Só lhes pedia que não me deixassem morrer. Ainda queria voltar a ver os meus netinhos”, recorda Augusta, que superou a infeção.
É chegado o momento de Rita Leitão encerrar o programa e de se despedir dos seus convidados. No próximo mês, as ‘Manhãs com Louro & Sal’ voltarão com um novo painel de comentadores para mais uma emissão. Até lá, haverá ainda muito trabalho de edição até à emissão do programa, que acontece na última quinta-feira de cada mês através da página de facebook da instituição e do canal youtube.
Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva