Esquecidos, exaustos, em constante pressão emocional, desgaste físico e com sintomatologia depressiva. Este é o retrato da maioria dos cuidadores informais em Lousada, concelho do Vale do Sousa, pertencente ao distrito do Porto. A pandemia veio acentuar as fragilidades das centenas de cuidadores informais existentes no concelho.
O aumento da longevidade nem sempre significa maior qualidade de vida. As comorbilidades, o comprometimento da autonomia, o aumento das doenças crónico-degenerativas (algumas incapacitantes), “obrigam” a uma maior intervenção das famílias e dos cuidadores que dão tudo sem receber nada em troca.
“Quem tem alguns recursos económicos, como é o meu caso, ainda consegue dar uma resposta sem tanto desgaste, mas a maioria das pessoas não dispõe dessas condições financeiras”, conta ao Voz das Misericórdias, Bessa Machado, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lousada e, também ele, cuidador informal.
Sentindo na pele os efeitos e dificuldades dessa tarefa, em fevereiro de 2019 a instituição que dirige começou a desenhar uma resposta social direcionada para apoiar os cuidadores, emergindo o Centro de Apoio ao Cuidador Informal de Lousada (CACIL). Orientado para a realização de um levantamento do número de cuidadores existentes no concelho, a Misericórdia apresentou uma candidatura ao Portugal Inovação Social, mas a mesma, acabaria por não ser aprovada.
“Foi indeferida com a justificação do aparecimento da legislação de reconhecimento do Estatuto do Cuidador Informal (posterior à apresentação da candidatura), cujas medidas nela contempladas retiravam a inovação do projeto”, explica o provedor, argumentando que o estatuto não responde às necessidades das pessoas nesta situação.
Apesar deste contratempo, a Misericórdia de Lousada avançou, a expensas próprias, para a criação do Gabinete de Apoio ao Cuidador, com maior abrangência e numa ação concertada junto dos cuidadores. Neste sentido, o CACIL manteve a sua atividade com uma equipa composta por dois técnicos de serviço social e um psicólogo.
Numa fase inicial, foi feito um levantamento dos cuidadores existentes, seguindo-se o desenho do projeto em função das entrevistas realizadas aos cuidadores. “Fazemos uma avaliação das necessidades e, através do que é dito, encaminhamos para as respostas já existentes na comunidade”, sublinha Silvia Alves, técnica responsável pelo projeto. “A maioria dos cuidadores estão tão focados nas pessoas cuidadas, desconhecendo os seus direitos como apoios da segurança social, serviço de apoio domiciliário, centros de dia, entre outras”, frisa.
Após estes esclarecimentos, é a própria Misericórdia que encaminha os processos para os serviços respetivos. “Se assim não fosse, os cuidadores que passam muitas horas, alguns ininterruptamente no auxílio ao doente, acabariam por não tratar destes benefícios”, esclarece a técnica.
Mais de 50 por cento destes cuidadores precisam e estão já a receber apoio psicológico, aparecendo em estados emocionais muito fragilizados. “O desgaste é tremendo”, atira o provedor, exemplificando: “Há uma senhora com cerca de 80 anos que há 50 anos cuida de dois filhos deficientes. É terrível, mas este é apenas um caso entre muitos outros”, assegura Bessa Machado.
A formação e capacitação dos cuidadores é também proporcionada pela Misericórdia. Numa fase inicial com sessões presenciais e agora, com a pandemia, por meio digital, são mostrados vídeos preparados pelos profissionais de saúde, onde exemplificam as estratégias para a prestação de cuidados. “Estes conteúdos ajudam a perceber como os doentes podem manter por mais tempo a sua autonomia”, conta a responsável técnica.
“Pensávamos que por ser online e, pelo facto de a maioria dos cuidadores terem baixa escolaridade, iria ser um processo mais complexo, mas temos sido surpreendidos com a adaptação às novas tecnologias”, enaltece, Silvia Alves.
Através de um protocolo estabelecido com a Associação Nacional de Cuidadores Informais (ANCI), o CACIL colaborou na co-parceria com a Universidade de Ciência de Lisboa, no programa ‘Famílias Seguras’, que visa a referenciação e inscrição de cuidadores informais no programa de testagem à Covid-19. “Os nossos cuidadores iniciaram este programa em maio, sendo testados semanalmente. Os kits são enviados através dos nossos serviços, recolhidos e encaminhados para análise”, revela Silva Alves.
No âmbito deste trabalho junto dos cuidadores informais, foi assinado, no dia 14 de maio, um protocolo de parceria entre a Câmara Municipal de Lousada e a Santa Casa, para criação de uma bolsa de cuidadores formais designado como “Lousada Cuida”. “Criar substitutos dos cuidadores informais, permitindo que quem cuida tenha tempo disponível para si” é o principal objetivo desta medida.
Voz das Misericórdias, Paulo Sérgio Gonçalves