Foi entre linhas, agulhas e pontos que 11 mulheres mirandelenses fizeram nascer uma obra de arte sacra única para enaltecer os cinco séculos da Misericórdia de Mirandela.

A imagem de Nossa Senhora das Misericórdias é uma réplica daquela que foi oferecida ao Papa Francisco e que, hoje, figura “num dos corredores principais do Vaticano”, tendo sido adornada com quase 800 miosótis bordadas em finos fios.

“É com imenso prazer que vemos o carinho especial que este grupo de senhoras tem pela Santa Casa, ao desenvolver um trabalho carregado de um enorme simbolismo”, afirma o provedor Adérito Gomes.

Com 60 centímetros de altura, a peça é o somatório de detalhes, desvelos e destreza, porque “não há uma única flor que não tenha um significado”. Assim, as 500 miosótis no manto correspondem aos anos de vida da Misericórdia em Mirandela e os 70 colocados no vestido representam os provedores identificados desde a sua fundação. Há, ainda, 104 miosótis, o mesmo número de localidades do concelho mirandelense, 11 que representam as bordadeiras e mais 3 em memória das colegas falecidas. Somam-se 58 miosótis que simbolizam as famílias de quem bordou e 52 que remetem para as semanas de um ano. “Cada florzinha demorou mais de meia hora, contabilizando fazer e aplicar, trabalhámos cerca de 500 horas”, refere Manuela Gândara, que coordenou os trabalhos. 

A escolha das miosótis justifica-se por ser “a flor da saudade e da memória”. Depois decidiram bordá-la em mais de 320 tons, com seda e linho, fios têxteis cultivados na terra em tempos idos, e com fio de algodão, porque “se banalizou pelo seu baixo custo”. “A seda natural foi muito difícil de encontrar e foi graças a alguém que tinha algumas linhas de uma fábrica que fechou há 50 anos e que teve a amabilidade de as disponibilizar”, revela Manuela. 

Cada linha é composta por seis fios, mas cada miosótis foi bordada com apenas um, o que deixa antever a delicadeza de todo o processo. E para ornamentar o centro da flor foram colocadas missangas de vidro raras, vindas do Japão. “Foi um trabalho minucioso, porque a miosótis é muito pequenina, o tipo de fio também é muito fino e, depois, pôr a missanga é um trabalho que requer muito tempo, atenção e, sobretudo, muita dedicação”, declara Maria Andrade, 76 anos.

A colega Cristina Guerra lembra que “as miosótis de três milímetros tiveram de ser postas com pinças”.  

As linhas foram entrelaçadas em pontos de Richelieu dados à mão. “Quando comecei, estava uma tarde inteira para fazer cinco, seis miosótis. À medida que a mão estava mais adestrada, fui evoluindo”, reconhece Maria Andrade. A colega Ana Costa admite que foi “uma mera executante” que deu o seu contributo e, portanto, “as coisas tornaram-se relativamente fáceis”. 

Com mais de uma década votada aos bordados, o grupo reúne duas vezes por semana e, durante três horas, trabalham com afinco. Margarida França, 64 anos, resume as lides: “era feito o desenho no tecido e íamos bordando com várias cores. Cada flor era recortada e posteriormente colada na peça de cerâmica”. Para o recorte foram utilizadas tesouras italianas, compradas propositadamente no Porto. “Tinha de se ter extremo cuidado ao recortar, porque um fiozinho que estivesse fora de sítio estragava a flor”, relembra Cristina.

Durante os serões de trabalho quase microscópico, sempre reinou a boa disposição. “Quando alguém se queixava dos olhos, a outra dizia ‘queres experimentar com os meus óculos?’ E até os óculos trocávamos”, conta Manuela. 

A mentora do projeto inspirou-se quando reconheceu, num jornal italiano que noticiava a entrega de Nossa Senhora das Misericórdias ao Papa Francisco, que aquele traço era de um ceramista português. Depois de o contactar para replicar a peça, desafiou o grupo para assinalarem “com um marco histórico” a efeméride dos 500 anos da Misericórdia de Mirandela. As colegas tiveram uma primeira reação de incerteza, imediatamente seguida de entusiasmo. “Pensámos que não era assim tão fácil de fazer, porque aquelas florzinhas têm muito trabalhinho e muita horinha”, confidencia Marta Barroso, 38 anos. No entanto, Cristina Guerra salienta que “depois de se emaranharem no projeto foi muito interessante”.

A 19 de janeiro, todas se perfilaram nos bancos dianteiros da igreja da Misericórdia, com olhares sérios e solenes para assistir à cerimónia de bênção da sua obra de arte. “Nenhuma de nós tinha ideia como iria ficar o trabalho final”, confessa Marta Barroso. Já Margarida França atalha: “mas com a professora Manuela, as expectativas são sempre grandes e ela, de facto, consegue fazer coisas surpreendentes”. 

Também presente na cerimónia presidida pelo bispo da diocese Bragança-Miranda, o ceramista mafrense José Luís Pires não escondeu a satisfação face ao resultado final. “Foi uma agradável surpresa ver a imagem com as miosótis. Adorei.” A peça ficará permanentemente exposta na igreja da Misericórdia, como fruto de “um ato de cidadania”. “É mesmo uma homenagem que os cidadãos de Mirandela devem a uma instituição com 500 anos”, conclui Manuela Gândara.


Prémio SIC Esperança

Outro momento alto dos 500 anos da Misericórdia de Mirandela foi o facto da instituição ter sido distinguida pela SIC Esperança. O programa ILLUMINART foi um dos três vencedores dos prémios que a SIC Esperança atribuiu, em parceira com a Delta Cafés, para comemorar o seu 15º aniversário.

Selecionado num universo de 384 candidaturas, o ILLUMINART consiste na projeção de imagens em 3D nas paredes e tetos dos espaços onde se prestam cuidados de saúde com o intuito de humanizá-los.  

Sónia Carvalho, psicóloga na UCC, explicou ao VM o que é e como funciona o programa. “É um dispositivo portátil que projeta nas paredes imagens artísticas 3D, sendo que o utente pode escolhê-las, transformá-las ou interagir com elas através do uso de um tablet”.  

O ILLUMINART vai complementar a “já existente sala de snoezelen”, referiu a psicóloga. Ainda segundo Sónia Carvalho, esta nova metodologia será utilizada junto dos “doentes isolados que não podem deslocar-se à sala snoezelen por estarem sujeitos às medidas de contenção de contacto, ligados a oxigénio e em repouso obrigatório por úlceras de pressão e neoplasias, e também aqueles que se recusam a sair do quarto e a conviver com os outros porque não gostam do ambiente hospitalar”.

Segundo a diretora técnica da UCC, Raquel Alves, vão beneficiar deste projeto cerca de 144 pessoas por mês. “São cerca de 52 beneficiários diretos, que é o número de internamentos médios por mês que temos, mais os seus familiares, e cerca de 50 beneficiários da comunidade local, como voluntários ou os jovens da APPACDM de Mirandela”.

O projeto vai estar a funcionar no início do mês de março e foi financiado a 100 % pela SIC Esperança.

Voz das Misericórdias, Patrícia Posse e Sara Pires Alves