O projeto resultou, segundo o provedor, de um desafio lançado pela autarquia com vista a reforçar a capacidade de intervenção local e dotar o concelho de condições necessárias ao acolhimento de pessoas em situação de elevada vulnerabilidade social, no âmbito do Núcleo de Planeamento e Intervenção com Pessoas Sem-Abrigo de Oeiras. “Identificámos pessoas já acompanhadas por nós, com o perfil adequado e compatível para viverem juntas, e passado três semanas a casa está de pé e eles também, o que é ótimo sinal”, congratula-se Luís Bispo.
Francisco Bote, Abílio Barros e Rondane Taero partilham o mesmo tecto desde finais de setembro e quase um mês depois da mudança estão adaptados às novas rotinas e colegas de casa. “Não foi preciso um esforço adicional porque já nos conhecíamos, a vinda para cá foi como uma continuação da convivência que já tínhamos, estamos em sintonia, não há nada de preocupante e tentamos ajudar-nos, somos uma família”, revela Rondane, 52 anos.
Isso significa que partilham momentos de convívio, mas também tarefas de manutenção dos espaços comuns e tratamento de roupas, de acordo com a agenda semanal. Outro ritual que não falha é a visita semanal da diretora técnica dos centros de acolhimento, Teresa Alves, e da psicóloga Sofia González, para definir metas, objetivos e prevenir eventuais conflitos.
“O objetivo desta casa é ganhar competências para que consigam ter uma casa só deles no futuro. Algumas já estavam a ser trabalhadas no centro de Paço de Arcos, mas todas as semanas vimos cá dialogar e perceber quais são as principais necessidades e dificuldades na adaptação”, explica Teresa Alves. Nos restantes dias, o ponto de encontro é no centro, onde fazem as refeições e o “convívio possível”, tendo em conta as limitações em vigor. Em linha reta não dista mais de um quilómetro, mas “o problema é subir”, brincam os três residentes.
Como em todas as famílias, cada elemento tem traços distintivos que já todos vão reconhecendo: Abílio gosta de se deitar cedo e fazer caminhadas junto ao rio pela manhã, Rondane dedica alguns momentos do dia a pesquisar ofertas de emprego na mesa da sala e Francisco gosta de dar vida aos recantos da casa com objetos da sua coleção de brinquedos antigos e miniaturas de carros. “Tive um carro igual a este”, conta orgulhoso mostrando-nos um mini vermelho com listras brancas, depositado no parapeito da janela do quarto.
Todos sabem que este é um local de passagem. Daí chamar-se “casa de transição”. “A ideia é que no futuro próximo tenham a sua casa”, justifica Teresa Alves. As histórias de vida que se cruzam nesta fase transitória, com vista à autonomia, deixam para trás episódios de desemprego, doença e circunstâncias familiares adversas, mas também pessoas que lhes estenderam a mão e apontaram na direção certa. “Estes dois senhores são culpados de toda esta alegria”, reconhece Rondane Taero, referindo-se ao provedor e coordenadora do centro.
Depois de anos a mudar de quarto, a dormir numa carrinha ou mesmo ao relento, Abílio, Francisco e Rondane agarraram esta oportunidade com determinação e humildade. Não fosse esse um dos ingredientes listados no quadro de ardósia pregado na cozinha. Francisco lê-nos a “ementa do dia: boa disposição, amizade e amor, podemos também acrescentar humildade”.
Em breve, esperam também estrear o fogão da cozinha e escrever uma nova ementa, para matar saudades das receitas de família. O residente mais novo, de origem moçambicana (Cahora Bassa), já sabe o que vai cozinhar na primeira refeição da Casa Esperança: “quiabos com farinha de milho, comida simples, que se come à mão”.
Não nos despedimos sem desejar sucesso para a próxima etapa e agendar um almoço na futura casa destes residentes, confecionado pelo chef Rondane Taero. Até breve!