Ao longo de muitos anos a vivenciar junto das populações, como professor, autarca e mesário (provedor), foram imensas as opiniões recolhidas sobre os problemas nos concelhos do interior do país. Delimitado pela Estrada Nacional 2, este verdadeiro interior profundo ainda é exemplo de disparidades. Hoje, apesar dos avanços conquistados em democracia e com um poder local eficiente, ainda não fomos capazes de minimamente igualar os benefícios existentes nos concelhos do litoral.

Este artigo de opinião do provedor da Misericórdia de Carrazeda de Ansiães, Ricardo Paninho, integra a edição de novembro do Voz das Misericórdias. Leia aqui os artigos de opinião da Irmandade da Misericórdia e de São Roque de Lisboa e da São João da Madeira.

Esta realidade penaliza todo o normal funcionamento das Misericórdias do interior, que agora se encontra razoavelmente infraestruturado. Contudo, esta região do país ainda padece de falta de gente jovem capaz de alavancar um progresso baseado na criação de emprego e na qualidade de vida

As injustiças persistem e dificilmente conseguem encontrar algum eco junto dos decisores políticos e outros fazedores de opinião. Ao mesmo tempo, as Misericórdias têm cada vez mais dificuldades para dar resposta às populações.

Por exemplo, ao contrário daquilo que as instituições que tutelam as Misericórdias apregoam, faltam respostas de apoios aos nossos idosos. Estas dificuldades são inerentes aos insuficientes recursos financeiros relativos aos serviços prestados, por falta evidente de rendimentos e até de comprovação desses rendimentos por parte da maioria dos utentes.

Reflexão semelhante pode ser feita em torno da educação, onde o setor social assume a frequência massiva das crianças mais necessitadas e, como tal, com rendimentos mais baixos. Resolvido o problema da creche, com a aplicação da gratuidade, ficamos ainda com o ensino pré-escolar.

Neste quadro, à atualização anual do salário mínimo nacional e aplicação do contrato coletivo de trabalho (CCT) acrescem despesas com serviços prestados por várias empresas em serviços de manutenção ou outros como consultoria e ainda de controlo contabilístico.

Ou seja, as despesas são incomensuravelmente maiores que as receitas. Lidamos com uma imensidão de custos mensais e permanentes, levados a efeito pelas instituições que, até por questões de segurança, não podem ser dispensados.

Também ao nível das despesas, ao contrário do litoral, somos penalizados pela prestação de serviços aos habitantes de áreas enormes, que se encontram a residir em aldeias bastante distantes da sede do concelho. Servir áreas de cerca de 300 quilómetros quadrados pressupõe despesas diárias de deslocação, fortemente penalizadoras para as instituições e um grande número de colaboradores afetos a essas valências.

E não existe ainda um sistema verdadeiramente diferenciador que compense estas disparidades. A diferenciação positiva continua a ser uma utopia no dia a dia das instituições. Apesar das imensas promessas que se têm feito, mantêm-se as disparidades, fazendo com que se agravem as condições dos equipamentos existentes em todo o interior do país.

Mas há alguma esperança a que nos podemos agarrar. Verificamos que têm vindo a surgir sinais de algum retorno da população para o interior do país, onde facilmente se chega, onde a qualidade de vida é incomparavelmente superior aos grandes centros e onde existem condições de emprego nas áreas das novas tecnologias com utilização da internet 5G, agora implantadas no interior de forma bastante consistente.

Também o turismo abriu novas portas na criação de empregos e na geração de novas oportunidades.

Novos desafios no futuro irão exigir maiores competências e dedicação de todos aqueles que trabalham nas instituições particulares de solidariedade social e, em especial, nas Santas Casas.

Ricardo Paninho, provedor da Misericórdia de Carrazeda de Ansiães