São 9h30. A equipa do serviço “Centro de Dia vai a casa” da Santa Casa da Misericórdia de Ovar está pronta para arrancar. Junto-me a Maribel Moreira, animadora sociocultural, e Raquel Rocha, diretora técnica das respostas sociais de centro de dia e apoio domiciliário. Cumprindo com as regras de segurança e higiene, desinfetámos mãos, colocámos óculos, máscara e bata de proteção. Esperam-nos dois utentes: Amorim Almeida, 74 anos, e Celeste Capoto, 83 anos. A viagem é curta. Pelo caminho contam-me como nasceu o projeto.
A resposta social de centro de dia da Santa Casa da Misericórdia de Ovar encerrou, por imposição governamental devido à Covid-19, a 16 de março. Desde essa data, os 60 utentes que usufruíam da valência, viram-se privados das atividades ali desenvolvidas. “Mantivemos o contacto regular com as famílias e com os utentes, através de telefone, e detetámos, na avaliação efetuada, que existiam sinais das consequências do isolamento social”, revela Raquel Rocha.
Era necessária uma intervenção que minimizasse os efeitos negativos da pandemia nestes idosos. “No início de maio começámos a pensar na melhor forma de atuarmos. A segurança de todos era, e é, a nossa prioridade”, continua a responsável pela resposta. Assim, a 11 de maio, na primeira visita, a instituição presenteou cada idoso com a oferta de uma máscara social, potenciando a sensação de segurança.
Estacionámos. Amorim Almeida acena-nos pela janela e anuncia à esposa que chegámos. É utente da resposta de centro de dia há mais de 10 anos e também integra a unidade “Nós da Memória”, que é uma ala especializada em pessoas com demência, défice cognitivo e/ou em risco de autonomia psíquica, promovendo o treino diário de competências e a estimulação multissensorial.
Para hoje, Maribel Moreira tem programadas três atividades. Jogos de cálculo e palavras no tablet, puzzle com cartas e bowling. “O plano de cada sessão é adaptado ao utente. Nunca obrigamos a nada porque é essencial que se sintam bem e que este seja um momento de lazer e fruição”, explica a animadora.
Durante cerca de 45 minutos, Amorim Almeida regressa às rotinas que outrora desenvolvia no centro de dia. As saudades são muitas. Dos amigos, dos funcionários, do espaço, das saídas e dos docinhos. Mas, para já, ainda não há data prevista para a reabertura da valência. Aliás, esta foi a primeira pergunta que fez: “Bom dia. Já sabe quando abre o centro de dia?”
Despedimo-nos. A próxima visita fica marcada para a semana seguinte. Conduzimos até casa de Celeste Capoto. É viúva e vive sozinha. Com dificuldades de locomoção, espera ansiosa pela visita. Neste caso, o apoio acontece duas vezes por semana e é essencialmente de conforto e conversa, embora para hoje também esteja planeada alguma atividade física.
Celeste conta-nos que tem “algumas cicatrizes” na sua vida, mas sempre foi uma lutadora. Cozinheira de profissão, não dispensa um bom “molhinho”. A diabetes está controlada e a tensão arterial perfeita. Gosta de manter a casa sempre bem arrumada e, com maior ou menor dificuldade, gaba-se de fazer tudo sozinha. “Com a bengala empurro o pano do pó e até ligo a televisão. Quando não posso, descanso um pouco e faço mais tarde”.
Se tempo houvesse, a conversa prolongar-se-ia horas a fio. Maribel acaba por nos confidenciar que as despedidas são o momento mais difícil. “Tenho de colocar um alarme no telemóvel, que avisa que está na hora de seguir para outra visita. Sinto, muitas vezes, que ficam tristes, mas compreendem”. Para além da animadora sociocultural, as sessões são regularmente acompanhadas também pela psicóloga da instituição, que vai monitorizando a situação de cada utente.
O relógio marca meio-dia. Termina mais uma manhã do “Centro de dia vai a casa”. Maribel Moreira e Raquel Rocha sentem-se “de coração cheio”. Hoje e sempre. “Ver o sorriso com que nos recebem não tem preço”.
O serviço, que é completamente gratuito para os utentes de centro de dia, faz parte, na opinião de ambas, da missão da instituição. “Estar presente e proporcionar momentos de alegria e conforto aos nossos idosos é a nossa missão”. Atualmente, são 27 os utentes que recebem o “Centro de dia vai a casa”.
Recorde-se que por causa do elevado número de pessoas infetadas, o governo decretou, no dia 17 de março, estado de calamidade pública no concelho de Ovar. Para tentar atenuar o impacto do novo coronavírus, os funcionários da Santa Casa estiveram fechados no lar de idosos durante períodos de 15 dias.
Voz das Misericórdias, Vera Campos