A Misericórdia de Peso da Régua, tida como exemplo na prevenção do contágio pelo novo coronavírus, foi distinguida pela Segurança Social

O combate à pandemia que tem assolado o mundo trava-se dia após dia, mas na Misericórdia de Peso da Régua foram 14 meses a lutar para que o vírus não roubasse vidas. Apesar dos 83 casos nas diferentes valências, a provação foi superada. “Tentámos agir sempre na prevenção e a nossa preocupação foi proteger os grupos mais vulneráveis, em que numa situação de contágio era certo haver óbitos”, frisa o provedor Manuel Mesquita.

O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social reconheceu o trabalho feito pela Misericórdia reguense, a 8 de maio, no Dia Mundial da Segurança Social. “Foi com muito orgulho que recebi esta distinção, mas isto é um reconhecimento ao setor social e, sobretudo, às Misericórdias. Mesmo aquelas que tiveram o infortúnio de ter um surto, estou convencido de que tudo fizeram para que a situação não fosse grave e não houvesse óbitos. De qualquer modo, a minha dedicação deste prémio é toda para os nossos funcionários”, afirma o provedor.

O capital humano foi o pilar de um trabalho intenso e abnegado: “este resultado deve-se, essencialmente, ao esforço e à dedicação das nossas colaboradoras, que mostraram um espírito altruísta e de sacrifício imenso.”

Em março e abril, Peso da Régua foi dos 20 concelhos com maior número de casos por 100 mil habitantes do País, por isso, as funcionárias eram testadas para ficarem “confinadas” na estrutura residencial para idosos (ERPI) duas semanas e foi assim durante quatro meses. “Atravessámos uma época festiva, em que todos querem estar com a família e elas sacrificaram-se em prol das pessoas que estavam ao seu cuidado. É difícil encontrar um espírito destes”, reitera Manuel Mesquita.

A fotografia das filhas, de 19 e 27 anos, sem companhia à mesa natalina entristeceu Edite Pinto. “Chorei muito, porque os nossos filhos são os nossos filhos, mas os idosos também não podiam estar sozinhos.” Aos 55 anos, Edite é a única fonte de sustento da casa, pelo que os turnos de 15 dias foram, também, custosos: “na noite que tinha de entrar nem dormia. A minha filha mais nova está na universidade e, muitas vezes, ia embora e eu não estava em casa.”

A colega Maria Freitas, 25 anos, reconhece que foi “uma sobrecarga emocional”, minimizada pela entreajuda. “Não é muito fácil ter de ficar 15 dias fechadas no sítio onde trabalhamos. Tivemos de nos apoiar umas às outras e os idosos até vinham conviver connosco durante a noite.”

Abdicar da época natalícia junto da família foi “um sacrifício”. “Os meus familiares ficaram um bocadinho tristes, mas tinha de ser, porque a prioridade era a segurança dos idosos. Se calhar, não foi tão difícil porque não tenho filhos.”

O contacto dos utentes com as famílias aconteceu através das novas tecnologias e da “caixinha das emoções”, uma estrutura em acrílico para promover encontros em segurança. “Eram feitas as marcações e durante meia hora podiam estar em contacto. Depois, era tudo desinfetado. Foi assim que conseguimos salvaguardar as pessoas que estavam à nossa responsabilidade”, lembra o provedor.

A ERPI foi a única valência a passar incólume, graças à testagem periódica, aos turnos rotativos e à preocupação de isolá-la “o mais possível do contacto com o exterior”. Os utentes da cantina social, que ali levantavam as refeições, passaram a recebê-las em casa e apostou-se na utilização de embalagens descartáveis. Foi, ainda, criado um balneário e um pequeno refeitório para os colaboradores que trabalhavam no exterior.

Nos primórdios da pandemia, a Misericórdia da Régua debateu-se com um surto que afetou 23 utentes e 17 funcionários da unidade de cuidados continuados. Por isso, tiveram todas as precauções “daí para a frente”. “Foram jogadas em antecipação ao nível da testagem, da criação de stock de equipamentos de proteção individual e do cruzamento de informação, dia e noite, entre mim e as diretoras técnicas. Foi tudo isto misturado e uma pontinha de sorte”, conta Manuel Mesquita. Implementar todas as medidas de prevenção saldou-se numa despesa acrescida para a instituição, num total que já ultrapassou os 230 mil euros.

Na reta final de 2020, ficaram infetadas 16 utentes e 3 colaboradores do lar de infância e juventude (LIJ). “Foram deslocadas para o hospital de retaguarda, porque não tínhamos condições físicas para isolar 26 meninas. Durante esse período, quatro elementos da equipa ficaram fechadas cá dentro e voluntariamente”, lembra a diretora técnica, Vera Moutinho.

Antes do surto, a gestão da pandemia já tinha “uma dificuldade acrescida porque o LIJ é a casa delas”. “São crianças que vivem do toque, do afeto, do beijo, dos carinhos e foi um pouco difícil manter algumas medidas. Evitávamos o contacto direto, mas andavam sempre atrás de nós a roubar abraços.”

Quando as escolas fecharam e “durante largos meses”, as crianças e jovens ficaram isoladas das famílias, apesar das videochamadas e dos telefonemas. Os primeiros meses foram “complicados”, mas reagiram “muito bem”, adaptaram-se e compreenderam. “Deixaram de ter contactos com os amigos e estiveram muito tempo sem sair. Só no verão é que começaram a sair e sempre com a nossa companhia, porque são adolescentes e se as deixássemos sair sozinhas, iam procurar os namorados e não podíamos correr esse risco”, acrescenta. Em permanência no LIJ, acabaram por reforçar a vinculação com a equipa técnica. “São meninas com problemas de comportamento, instabilidade emocional, défices cognitivos, que ficaram fechadas em casa. Tinha tudo para não correr bem, mas elas foram umas heroínas. Amadureceram muito e perceberam que conseguem lidar com a frustração usando outras estratégias que não o confronto e a oposição”, conclui Vera Moutinho.

Voz das Misericórdias, Patrícia Posse