Foram 11 tardes multiplicadas por outras tantas estórias, todas com um denominador comum: miséria. “É a palavra que mais retenho de todas estas tardes” que, paradoxalmente, “foram enriquecedoras”, refere Lucília Coelho, a técnica de ação social da Misericórdia de Pinhel que coordenou a iniciativa.
A obra de misericórdia que manda ensinar os ignorantes ganha assim especial sentido “porque achámos que estes saberes todos se vão perder quando estas avós já cá não estiverem”.
Em Vascoveiro, Ilidia Saraiva, de olhos cor de mar e uma pele que não deixa antever os seus 95 anos, transporta-nos para um Natal quando as filhós eram feitas à lareira e não levavam ovo porque isso era um luxo de poucos. Quando a ceia era uma travessa com batatas, bacalhau e cebola, de onde todos comiam. Ao lado um prato com água, alho e umas gotas de azeite, servia para temperar o repasto “que às vezes nem bacalhau tinha”.
Na esperança que o menino Jesus deixasse um presente, os sapatos eram colocados à lareira. Às vezes, reluzia lá dentro no dia seguinte uma laranja, que a mãe tinha trocado por três ou quatro batatas ao comerciante que vinha de burro todas as semanas à aldeia.
Natal era também sinónimo de partilha e todo o leite que as vacas davam no dia 24 de dezembro era distribuído por quem não tinha, tal como o azeite e até as batatas.
Em Marigoto a tarde foi de doçaria com D. Angelina, de 90 anos, a recordar o único doce de Natal dos seus tempos de menina. Além do chocolate quente, a noite era aquecida com a fogueira, que nas Beiras chamam de madeiro, que arde normalmente no adro das igrejas na noite de Natal. “Estava lá mais quentinho do que dentro de casa”.
Uma das iniciativas decorreu no forno comunitário da aldeia que antigamente servia para todos cozerem o pão. Antes de entrar no forno, com o dedo, gravavam uma cruz na massa ao mesmo tempo que diziam “Deus te acrescente como o pão da boa semente” e, acrescentava, no Natal e no pão nosso de cada dia.
Voz das Misericórdias, Paula Brito