Em novembro de 2022, os utentes da Misericórdia do Porto sobem ao palco do Teatro Rivoli para apresentar um espetáculo de ópera, que congrega intervenção artística e social, prevenção da violência doméstica e capacitação de públicos vulneráveis, na área da saúde mental, emergência social, envelhecimento e deficiência. O projeto "Mudando o que tem de ser mudado", apresentado em novembro de 2019, propõe a construção de uma “ópera rock moderna”, a partir de diferentes fragmentos narrativos e sonoros produzidos com os utentes.
Ao VM, o diretor de inovação social da Santa Casa adiantou tratar-se de um projeto transversal a várias áreas de atuação que recorre à arte como “ferramenta de intervenção diferenciada”. Segundo João Belchior, o objetivo é “aumentar os níveis de prevenção e sensibilização para o fenómeno da violência doméstica, dentro e fora de portas, e desenvolver um manual de boas práticas nesta área, que conjugue a componente artística e científica”.
Num espetáculo, onde se pretende alertar e prevenir a violência de género, João Belchior garante que não será feita uma “abordagem gratuita e expositiva do fenómeno”. Muito pelo contrário. A aposta incidirá, sobretudo, numa “perspetiva positiva, de regeneração e empoderamento pessoal” que se pretende disseminar em vários espetáculos itinerantes, depois de uma estreia no Teatro Tivoli, prevista para 25 de novembro de 2022.
Em declarações ao VM, o mesário Francisco Castelo Branco destacou ainda a componente formativa e de capacitação inerente ao projeto, que transforma os utentes em “agentes ativos do espetáculo” e da sociedade em que enquadram, sensibilizando-os para o “flagelo da violência doméstica e para o bem mais valioso que temos, a vida humana”.
O modelo de trabalho não é estanque e desenha-se no decorrer do projeto, com o contributo de todos os participantes e a orientação técnica da equipa, constituída pelo psicólogo Manuel Pereira e a artista plástica Cláudia Lopes. A componente musical, de caráter experimental, está a cargo do Quarteto Contratempus, outro dos parceiros da iniciativa.
Entre fevereiro de 2020 e janeiro de 2021, os utentes de vários equipamentos da Misericórdia do Porto, onde se incluem a Casa de Santo António, o Colégio Barão de Nova Sintra, o Centro Integrado de Apoio à Deficiência e a Casa da Rua, participaram em pequenos ateliês temáticos de escrita criativa, voz e percussão para iniciar a criação e definição dos primeiros fragmentos que vão compor o “patchwork final”. Numa fase posterior, que antecederá a apresentação, os grupos serão todos reunidos para dar “corpo final a este produto e juntar todas estas peças”.
A pandemia veio condicionar o modelo e calendário de trabalho, devido às restrições de contacto impostas para salvaguarda de todos, mas não impediu o desenrolar do projeto. Depois de implementar as adaptações necessárias, a equipa reorganizou os ateliês agendados, de modo a proteger os grupos mais vulneráveis à doença (idosos), e privilegiou espaços ao ar livre ou de grandes dimensões, que garantiam a ventilação e distância mínima de segurança.
Não é a primeira vez que a Santa Casa do Porto promove a reflexão e intervenção social através da arte. Em 2015, jovens adultos do Centro Integrado de Apoio à Deficiência subiram ao palco da Casa da Música, no Porto, para desafiar a comunidade a refletir sobre a (in)capacidade e potencialidade da população com deficiência. “O bichinho ficou desde essa altura. É através da arte que conseguimos uma sensibilização e intervenção diferenciada, é uma ferramenta de intervenção extremamente importante”, lembrou João Belchior.
Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas