Os quase quatro séculos de história da Misericórdia da Redinha podem agora ser revisitados em livro. Da autoria de Ricardo Pessa de Oliveira, a obra ‘A Santa Casa da Misericórdia da Redinha (1642-1975)’ começou a ser sonhada há cerca de 20 anos pelo provedor Mário Sacramento, com o objetivo de "colher todas as experiências passadas", de forma a cumprir, "da melhor forma possível", as funções a que o cargo obriga. Importava também "desmitificar dúvidas e certezas" sobre o passado da instituição, assim como perceber o papel social e caritativo que desempenhou.

Sem acervo documental - só existia um livro de atas de 1938 a 1995 -, a irmandade encomendou um estudo a Ricardo Pessa de Oliveira, historiador que já fez trabalhos semelhantes sobre as Misericórdias de Pombal e de Abiul (extinta). "O sonho e a consciência da necessidade que este estudo tem para a Misericórdia nunca morreu" e tornou-se agora realidade, num momento em que instituição comemora 380 anos, recordou Mário Sacramento, durante a apresentação do livro, que teve lugar no dia 18 de junho.

A confirmação do ano de fundação da irmandade, instituída em 1642 e que sete anos depois já tinha igreja e capelão próprios, foi uma das conquistas da investigação, que permitiu também ao autor uma descoberta "inesperada", ao identificar no sino da Igreja da Misericórdia uma inscrição com o ano de 1670 e uma representação da Virgem com manto protetor.

"O sino é uma peça muito valiosa. Será dos sinos mais antigos do concelho, que importa recuperar e proteger, assim como a bandeira e a tumba da irmandade", defende Ricardo Pessa de Oliveira, que encontrou ainda informação que prova "de forma inequívoca" que a Igreja de São Francisco, existente na Redinha e administrada pela paróquia, pertence à Misericórdia. "Com a extinção da Ordem Terceira de São Francisco, no início do século XX, o seu património foi incorporado na Misericórdia", revela o historiador, que aponta a "inexistência de arquivo da instituição" como um dos principais constrangimentos que teve de ultrapassar.

Convidada a apresentar o livro, Maria Marta Lobo de Araújo, especialista em história das Misericórdias, elogia a "coragem" do autor por abraçar o projeto sabendo que não havia um arquivo para apoiar o trabalho, obrigando-o a "uma peregrinação por uma imensidão" de fontes documentais. "Este livro prova que é possível levantar a história de uma instituição sem arquivo próprio", afirmou a investigadora.

Ao longo de quase 450 páginas, o livro passa em revista algum dos momentos marcantes da Misericórdia da Redinha que esteve para ser extinta em 1963 e 1975, mas que, "com firmeza e determinação, se manteve viva, numa atitude de resistência que é uma das marcas destas confrarias", salientou Maria Marta de Araújo.

Dividido em cinco capítulos, o livro analisa os regulamentos da instituição, bem como os irmãos e dirigentes que a lideraram ao longo dos séculos e a ação social que desempenhou, através, por exemplo, do hospital, desativado no início do século XIX. Há ainda um capítulo sobre o património da instituição, que "nunca viveu muito desafogada" e que, "em muitos momentos da sua história", se debateu com "falta de homens" para a dinamizarem, fruto sobretudo da emigração, mas que "não quis ou não pode recorrer ao sexo feminino" para colmatar essa dificuldade".

O livro incorpora ainda 64 documentos, a "maioria inéditos", que, "não substituindo o arquivo", são "da maior importância" para a irmandade, realça o autor.

"A história das instituições é sempre a história das pessoas que as conceberam, que as desenvolveram e que lhe deram vida", afirmou Joaquim Guardado, que representou na sessão o presidente da União das Misericórdias Portuguesas.

O diretor do Centro Distrital de Leiria da Segurança Social, João Paulo Pedrosa, destacou a importância do livro como testemunho "da epopeia da Misericórdia da Redinha, uma epopeia de solidariedade, de apoio aos mais necessitados e de valores humanistas".

"É uma instituição que teve e tem um papel muitíssimo importante no desenvolvimento da comunidade local", acrescentou o presidente da Câmara de Pombal, Pedro Pimpão, que realçou a preocupação da irmandade em apostar em projetos "diferentes e com inovação social".

Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva