A vocação para padre não era “nenhuma”, mas o “bichinho” do trabalho social, junto do outro, jamais o largou. José Candeias Neto é o decano dos provedores das Misericórdias algarvias – e um dos mais antigos do país também. Aos 85 anos, fala com orgulho do muito que foi conquistando ao longo dos anos, sem esquecer as preocupações sobre o futuro.

Quando se entra no Salão Nobre da Misericórdia de Faro, as fotografias dos vários provedores saltam à vista. “Aquele ali, sou eu”, aponta Candeias Neto, a rir. Na foto emoldurada, vê-se um jovem provedor, sentado à secretária. Há 40 anos que ocupa o lugar máximo nesta instituição e não esconde o orgulho. “Eu entrei para a Misericórdia em 1976. Desde aí que sou mesário”, recorda.

Candeias Neto lembra-se bem da história de como surgiu o convite para entrar nesta instituição. “O meu padrinho era o cónego Joaquim Jorge, que fazia parte da Misericórdia, convidou-me e eu acabei por vir. Era, na altura, provedor o Júlio Cabeçadas, uma pessoa muito estimada em Faro”, conta.

Foi assim que começou a “carreira” de Candeias Neto na Misericórdia farense, como o próprio a apelida. De mesário até provedor foi um passo – em 1982, foi eleito, pela primeira vez, líder máximo da Misericórdia de Faro, cargo que nunca mais abandonou. Até hoje. “Acho que, na altura, era o provedor mais novo de Portugal”, recorda, sorridente. Hoje é o decano dos provedores algarvios – e um dos mais antigos a nível nacional.

O gosto pelas causas sociais era algo que lhe estava arreigado já há muito tempo. “Eu andei cerca de cinco anos aqui no seminário de Faro. Fui expulso, não tinha vocação, mas continuei ligado à paróquia”, conta, entre risos. Foi na altura que aderiu à Juventude Operária Católica (JOC), chegando a presidente da estrutural local. “A JOC era um movimento progressista cristão e, prova disso, é que estive quase para não ir a Roma, a uma peregrinação com o Papa Pio XII porque a PIDE não me dava o passaporte”, relata.

Não seria a primeira vez que Candeias Neto se viu obrigado a enfrentar o poder vigente. Ao longo dos 40 anos enquanto provedor, não hesita em escolher o período mais difícil que viveu: o pós-25 de Abril. “Houve aqui histórias muito interessantes… Uma vez, no tempo dos governos de Vasco Gonçalves, vieram cá uns militares. Queriam que nós pagássemos os salários em atraso que havia num infantário. Que era a obrigação da Misericórdia pagar”, conta. Candeias Neto não concordava. “Eu bati na mesa, disse que não e não se pagou”, diz, orgulhoso.

Nessa altura, o ainda mesário e futuro provedor esteve envolvido nas lutas que deram origem à criação da União das Misericórdias Portuguesas, para a qual foi eleito vogal em 1988.

Na história de vida de Candeias Neto, a Misericórdia de Faro tem um papel crucial: é uma das páginas mais importantes do livro de histórias deste algarvio, nascido em Moncarapacho, mas residente em Faro há muito.

As conquistas, a nível social, são o que mais o orgulha – mas também as próprias obras do edifício da Misericórdia. Apontando para os tetos e decoração do salão nobre, recorda o muito que foi feito. “Isto não era nada como é agora. Quando se fechou o antigo hospital que aqui funcionou, ficou tudo uma desgraça e estas obras orgulham-me”, confessa.

A isto juntam-se os projetos que foram sendo construídos ao longo dos anos. “Hoje, temos dois lares, as creches, uma escola profissional e uma unidade de cuidados continuados”, diz.

De resto, a sustentabilidade dos cuidados continuados é mesmo “o maior problema” que Candeias Neto perspetiva para os próximos anos. “Está-nos a deixar um prejuízo enorme. As comparticipações estão à volta dos 35% e não nos 50%, por exemplo”, argumenta.

Nas palavras de Candeias Neto, nota-se um carinho grande pela “sua” Santa Casa da Misericórdia de Faro. São 40 anos de dedicação a uma instituição que é “muito respeitada” na cidade, mas agora chegou a altura de “descansar”. “Este é o meu último mandato. Ficarei até 2024. Depois, acabou: isto exige-nos muito e darei o lugar a outro”, conclui. Mas o nome Candeias Neto jamais se apagará da história da Santa Casa da Misericórdia de Faro.

 

Voz das Misericórdias, Pedro Lemos