Carlos Alberto Santos, 72 anos, vive no lar da Misericórdia de Estarreja desde janeiro de 2021. Dedicou grande parte da sua vida às vendas e à música e hoje dedica os seus dias a promover o bem-estar dos seus companheiros do lar de idosos.
Natural da Póvoa de Varzim, Carlos Alberto Santos percorreu o país de lés-a-lés devido à sua atividade profissional de técnico de vendas. Conta que começou por vender “utilidades domésticas”, mas que acabou por vender de tudo um pouco. Uma vida dura, que o afastou da sua terra natal, mas da qual não se arrepende.
Com a voz embargada, de quem viajou até um tempo longínquo que deixa saudade, Carlos Alberto Santos disse ao VM que “adorava o trabalho” porque, tal como ainda hoje, “adorava conversar, comunicar com as pessoas”. Por isso, estar agora no lar de idosos, e numa altura em que as restrições devido à pandemia ainda se fazem sentir, “é um sacrifício muito grande” porque quer “comunicar, andar lá fora a falar com as pessoas” e não pode.
O septuagenário, que vivia sozinho há muitos anos, sentia-se bem, mas a vida pregou-lhe uma rasteira. Um problema de saúde fê-lo perder a mobilidade, chegando mesmo a ficar dependente.
Foi assim, que de um dia para o outro, a história de vida do antigo técnico de vendas se cruza com a história da Misericórdia de Estarreja. Uma história que agora se faz mais pausada, com menos aventuras pelas estradas de Portugal, mas com igual significado na vida deste homem.
Carlos Alberto diz que o lar “é muito bom, que foi muito bem acolhido, as pessoas são simpáticas e atenciosas e tem todas as condições”, mas não se identifica com o idoso que normalmente habita estes espaços, que se “abandona a si mesmo”. “Tenho horror a isso, não é por estarmos num lar de idosos que não devemos ter objetivos, não podemos fazer o que fazíamos lá fora, mas podemos fazer muitas coisas, ainda temos muito valor”.
Assim, e contrariando o estigma da velhice, Carlos decidiu que a sua estadia no lar tinha de ser o mais prazerosa e útil possível, para ele e para os outros. “Como não podia vir para aqui sem um objetivo, decidi dedicar o meu tempo aqui dentro a melhorar o dia-a-dia dos outros utentes que aqui estão, é a minha missão agora”.
A música, que teve de abandonar durante 25 anos dos 30 que esteve casado, é agora o meio que usa para chegar aos que com ele partilham a vida no lar. As sessões musicais semanais, em que partilha o palco muitas vezes com a animadora da Santa Casa, duram cerca de uma hora e são “uma alegria para todos”.
Apesar de, por norma, ter dia e hora para cantar, Carlos revela que canta sempre que os colegas lhe pedem. “Há sempre tempo para uma cantoria”, remata. Quanto ao reportório, confessa: “sou um romântico incurável, fazer o quê?”, diz entre sorrisos.
No entanto, faz questão de dizer que “desengane-se” quem acha que só “eu é que dou um bocadinho de mim aos meus companheiros, porque eu também aprendo com eles”. Apesar “da postura que assumimos quando para aqui vimos e até da forma como ainda se olha para o lar de idosos, todos os dias aprendemos alguma coisa”.
Apaixonado pelas artes, e autodidata em tudo o que faz, para além de cantar, Carlos também gosta de pintar. A natureza está na base das suas criações, sempre feitas a óleo sobre tela, privilegiando elementos como a água e o sol. Nos últimos tempos, sente-se sem inspiração, mas sempre que pinta oferece as telas à instituição para que sirvam de decoração e para alegrar o espaço onde vive.
Mas nem a falta de inspiração faz Carlos resignar-se à condição de idoso que assume, e continua a aceitar desafios que o estimulam tendo participado, recentemente e pela primeira vez, numa curta-metragem que viria a vencer o prémio ‘Melhor Filme’ no festival Made in DeCA, um evento anual da Universidade de Aveiro (UA) que pretende divulgar, promover e premiar curta-metragens de alunos do 1º e 2º ciclo de ensino do Departamento de Comunicação e Arte daquela universidade.
Esperança de voltar para casa
Apesar de gostar de viver no lar de idosos e das “excelentes condições e pessoas” que encontrou na Misericórdia de Estarreja, Carlos Alberto Santos confessa que gostava muito de regressar a sua casa. “Ainda mantenho a esperança de que isso venha acontecer, mentia se dissesse o contrário porque no fundo não me identifico com a forma como se vê e vive a velhice, como se vive dentro de um lar de idosos, nem em lado nenhum em que estejamos ‘presos’”.
Estreia como ator aos 72 anos
Carlos teve a sua primeira experiência como ator desde que reside no lar da Misericórdia ao participar na curta-metragem “Missing” (na foto), que aborda a questão do envelhecimento e o isolamento da pessoa idosa. Ao longo de seis minutos deu vida a um idoso que vive sozinho que decide reviver o próprio passado através de imagens de outros tempos e relembrar uma mulher que fez parte da sua vida, mas que, com o passar do tempo, caiu no esquecimento.
Voz das Misericórdias, Sara Pires Alves