No cartão de identidade, Tomás Costa. Na vida, Tomás do Pirolito. Um século celebrado no passado dia 11 de setembro. Primeiro, em casa, com a família. Depois, na sua segunda casa: o centro de dia da Misercórdia de Vale de Cambra. Duas grandes surpresas à qual não faltou ninguém. “Até os mais de longe vieram” recorda o centenário para se referir à família que veio do Luxemburgo, propositadamente, para comemorar a data. “Uma boda muito linda. Éramos muitos. Se calhar 20”, diz emocionado. No centro de dia, que frequenta desde 2014, o aniversário foi celebrado por todos, sem exceção. “O Sr. Tomás é muito querido por todos e, por isso, quisemos fazer-lhe esta festa surpresa que assinalou os seus 100 anos”, confessa o animador Luís Tavares.

Nascido e criado em terras de Vale de Cambra, Tomás do Pirolito, apelido que herdou da família paterna, sempre esteve ligado “às terras”. Estudou e fez o exame da “terceira classe antiga”, conta ao VM sem hesitação. Dono de uma memória rara, guarda boas recordações da infância e das brincadeiras com os seis irmãos. “Jogávamos ao pião e à barra” lembra, ao mesmo tempo que não esconde que, por vezes, a vida não era fácil. “Antes, o trabalho era mais pesado, não havia máquinas e até passámos alguma fome. Hoje tudo é mais fácil”. Enquanto fala, mostra-nos uma mão, onde falta parte de um dedo. “Vê?” questiona-nos, para em seguida explicar: “Foi uma vaca. Puxou com tanta força que não consegui segurar, e lá se foi o dedo”.

Tomás do Pirolito, filho de lavradores, seguiu o mesmo ofício. “Servi em quatro casas. Depois casei e comecei a comprar as minhas terras”. Tinha 26 anos quando celebrou matrimónio com a mulher que o acompanhou na vida. “Fui um bocadinho namoradeiro. Namorei com uma moça sete anos. Depois ‘zanguemo-nos’ e nunca mais nos vimos. Depois, conheci a minha esposa num baile na Formiga [freguesia de Vale de Cambra], ao som da viola”. Do casamento nasceram seis filhos. Hoje, conta também com cinco netos e outros tantos bisnetos. Aos 40 anos partiu para França. “Fiz lá nove campanhas da apanha da beterraba”. Da passagem por terras de Napoleão recorda a dureza do trabalho “sem máquinas” e solta um “moi” e “toi” em jeito de vocabulário que não esqueceu.

Pirolito, já o dissemos, tem uma memória prodigiosa e para que dúvidas não restassem, entoou-nos, a plenos pulmões, o hino de Covões e de Vale de Cambra. Perguntamos como se alimenta tal lucidez. A resposta chega através do animador Luís Tavares. “O Sr. Tomás lê o jornal todos os dias, lê tudo, só passa à frente os anúncios. Depois da leitura, e porque ainda lhe sobra tempo, explora a nossa biblioteca”. Dos clássicos como “Os Maias” ou “Os Lusíadas”, passando por biografias e outros temas, Tomás do Pirolito está continuamente a ler. “Gosto muito de ler. Gostos de ler sobre as vidas de pessoas de Vale de Cambra [biografias de figuras da região] e sobre histórias”.

Mas a memória não é a única característica que surpreende neste homem que já soprou 100 velas. A sua autonomia é digna de registo. Chegou ao centro de dia em 2014, pouco tempo após o falecimento da sua esposa. Na sua companhia traz a filha, portadora de ligeiro défice cognitivo. Participa nas atividades desenvolvidas na instituição, gosta de passear e até visitou, em 2020, o Estádio do Dragão. Com a pandemia e o aumentar da idade, Tomás do Pirolito já não sai tanto da instituição, mas em 2014, quando chegou, os passeios autónomos no exterior e no jardim eram diários.

Todos os dias, ao fim da tarde, regressa com a filha à sua residência e assim pretende continuar. “O Sr. Tomás tem uma filha que vive próximo e que está atenta a qualquer necessidade”. Não usa o elevador da instituição e dispensa a ajuda do elevador da carrinha de transporte. A audição é o único sentido mais debilitado. Tomás do Pirolito é um exemplo. Diz não ter medo da morte e acrescenta que aguarda, serenamente, “a carta de chamada de S. Pedro”.  Vemo-nos em 2022, perguntamos. “Não sei. Já são muitos”, responde.

Voz das Misericórdias, Vera Campos

Rotina de
leituras
e passeios

Segundo o animador do centro de dia da Santa Casa da Misericórdia de Vale de Cambra, Luís Tavares, os utentes daquela resposta social “são muito autónomos e várias vezes saem da instituição e dão o seu passeio pelo exterior”. Tomás do Pirolito não é uma exceção.  A sua rotina no centro de dia passa pelos passeios, mais escassos por causa da pandemia, e as leituras. Todos os dias lê os jornais e, depois das notícias, agarra-se aos livros.

Pai e filha
na mesma
resposta

Tomás do Pirolito é utente do centro de dia da Santa Casa da Misericórdia de Vale de Cambra desde 2014. Chegou pouco tempo depois do falecimento da sua esposa e uma das suas filhas vem na sua companhia porque é portadora de ligeiro défice cognitivo. Ambos vivem juntos. Para eventual necessidade contam com outra filha do Sr. Tomás, que vive nas proximidades. Antes do centro de dia, Tomás do Pirolito beneficiava de apoio domiciliário.