A Rússia tinha acabado de invadir o seu país, dando início a uma guerra que dura até aos dias de hoje.
No dia anterior, Anna não imaginava o que estava por vir, não fazia ideia que a sua vida ia mudar a partir daquela noite. A jovem de 21 anos tinha uma vida dita normal na Ucrânia. Vivia com a mãe e as irmãs e trabalhava como enfermeira. Antes da enfermagem, já tinha experimentados outros ofícios. Tendo sido tatuadora e também criadora de conteúdos, documentou toda a sua jornada de fuga da guerra até Ponte da Barca, onde ficou até fevereiro de 2023. O resultado é um livro muito emotivo e chocante, sob o título ‘The Story’. Acerca do dia que mudou a sua vida e a de todos os ucranianos, Anna recorda: “Penso que todos os ucranianos sentem o mesmo, quando começou não acreditávamos, parecia algo que não era real. Ouvimos o som das explosões e é muito assustador, porque não sabíamos o que fazer.
Ninguém consegue explicar o que está a acontecer e o que vai acontecer a seguir.” A autora descreve neste livro a incerteza e o medo que viveu desde o início da invasão russa à Ucrânia e confessa que é “inexplicável e imprevisível” o que acontece perante esta realidade. “Se me perguntarem o que têm de fazer caso uma invasão semelhante aconteça, eu não sei dizer, mesmo já tendo passado por isto uma vez. Ninguém sabe. Porque é guerra, é assustador, podes morrer a qualquer momento.”
‘The Story’ é um relato perturbador e inquietante que conta a viagem entre Kiev e Portugal, passando por abrigos, vagões de comboios e viagem de avião. Com um prefácio escrito por Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, a edição relata os acontecimentos com que Anna e a sua família foram confrontadas. Nesta viagem, onde viram rastos de morte e destruição, conheceram “pessoas rudes, desonestas e abusivas” que as tentaram enganar, mas conta também que conheceram “pessoas maravilhosas”.
A vinda para Ponte da Barca dá-se através de um amigo, que a família conheceu através das redes sociais e que logo se prontificou a ajudar. “Foi muito bom encontrarmos alguém disposto a ajudar. Sou muito grata ao João Antunes, que nos salvou e cuidou dos nossos problemas e preocupações.”
A jovem conta ainda que, em Ponte da Barca, encontrou pessoas que se tornaram família e, “apesar de não gostar do motivo” que a trouxe até Ponte da Barca, as pessoas que se têm cruzado no seu caminho têm feito com que se sinta em casa. O acolhimento decorreu no âmbito da iniciativa ‘Portugal for Ukraine’, uma iniciativa do Governo para apoiar os cidadãos da Ucrânia que solicitam proteção temporária em consequência da guerra. Foi neste programa que esteve como assistente de enfermagem no hospital da Santa Casa da Misericórdia de Ponte da Barca.
Acerca da sua experiência na Misericórdia, a ucraniana conta que gostou muito do trabalho e que conheceu “pessoas fantásticas, que tornaram esta experiência muito confortável”. “Encontrei outra família aqui”, confessa.
Com este livro, Anna quer deixar uma mensagem que é também o mote da sua vida. Nas palavras da jovem ucraniana, “ser gentil e ter atenção com o outro é a única forma de salvar o mundo e de nos salvarmos todos como nação”. “A minha mãe sempre me disse: é mais fácil odiar pessoas que lutam pela liberdade do que lutarmos pela liberdade nós mesmos, por isso não podemos estar de fora dos problemas, precisamos de fazer alguma coisa pelo que está errado, porque, se não fizermos, quem o vai fazer?”, interroga.
No dia seguinte a conversar com a Voz das Misericórdias, a jovem regressou à Ucrânia com o objetivo de se reencontrar com o seu namorado e casar. O casamento aconteceu no passado dia 4 de março e agora Anna Zhukova pretende permanecer no seu país. Com a sua formação na área de enfermagem ou “talvez trabalhar com internet de forma ativista”, o objetivo passa por ajudar o seu povo, de forma a que a Ucrânia consiga ultrapassar todas as adversidades. No entanto, sabe, depois de tudo o que já passou, que nada está garantido.
Voz das Misericórdias, Joana Duarte